Varadouro mais urbano
Elson Martins
Há 29 anos, em abril de 1981, o presidente dos metalúrgicos do ABC paulista, Lula da Silva, declarou ao jornal Varadouro, edição número 20:
- Não surpreendem os vários processos abertos em todo o país contra os trabalhadores e o seu partido, o PT. O que é estranho é existirem pessoas que ainda acreditam que o Brasil vive um processo de abertura política. Se alguma abertura existe, ela é apenas para os detentores do poder. Assassinaram Wilson de Souza Pinheiro. Alguém viu algum processo para apurar os mandantes deste crime?
Na mesma matéria, publicada na edição número 20, página 13, agora disponibilizada pela Biblioteca da Floresta, neste site, o líder seringueiro Chico Mendes protestou:
- O seringalista Guilherme Lopes pegou o microfone da Rádio 6 de Agosto de Xapuri e disse que a solução era matar. Vinte dias depois, mataram o Wilson Pinheiro. Ele foi o estopim. Agora, me acusam de ter transmitido a notícia aos jornais. Um absurdo. É uma tentativa de acabar politicamente comigo e com outros dirigentes. Querem amarrar minhas mãos para impedir que desenvolva meu trabalho. Entretanto, mesmo se for condenado e perder o mandato, a luta vai continuar. E se me prenderem vai surgir mais dez “Chico Mendes” em Xapuri.
Na época, Chico Mendes era vereador em Xapuri, pelo MDB, e fora enquadrado na Lei de Segurança Nacional junto com Lula, Jacob Bittar, José Francisco (presidente nacional da Contag) e João Maia. Depois de muito aperreio, foram inocentados. Lula estava errado quanto à abertura do regime militar, que de fato acontecia, mas Chico Mendes foi profético: a luta continuou e o PT se mantém hoje no poder, no país e no Acre.
Chama atenção a coerência e a persistência do Varadouro ao registrar com coragem e exatidão os acontecimentos que sacudiam o Acre na época, quando se sabe que o jornal circulava a duras penas, com a periodicidade se ampliando de edição para edição. Entre as edições 19 e 20, por exemplo, o intervalo foi de nove meses (maio de 1980 a abril de 1981), mas o fio da história não se rompeu no jornal.
No período, dois líderes das lutas socioambientais no estado tombaram em mãos assassinas: o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Wilson Pinheiro, e o líder comunitário João Eduardo, que atuava na outra ponta do conflito, procurando acomodar na capital, em bairros que nasceram de invasão, as famílias expulsas dos seringais pelos fazendeiros recém-chegados de outras regiões do país. Os assassinos do Wilson Pinheiro permaneceram impunes, mas o Varadouro cobrava providências na página 13 suspeitando, com ironia, da atitude dos órgãos de segurança:
“Os primeiros policiais a chegarem ao local do crime, ao invés de correrem atrás do pistoleiro, permaneceram na sede do sindicato esperando, quem sabe, que o matador viesse se entregar”.
Os seringueiros sindicalizados deram o troco matando o principal suspeito, o capataz da fazenda Nova Promissão Nilo Sérgio de Oliveira. O troco aconteceu após a realização de um ato público em Brasiliéia, uma semana após a morte de Wilson Pinheiro (21 de julho de 1980), do qual participaram ativistas políticos nacionais como o então dirigente metalúrgico Lula da Silva, hoje Presidente da República. Entre outros discursos inflamados, Lula falou que “está na hora da onça beber água”, o que foi entendido pelos órgão de segurança como incitação ao crime. Daí veio o enquadramento dos cinco líderes na Lei de Segurança Nacional. Varadouro tratou do assunto na matéria “Cadeia para trabalhadores e flores para os patrões”, publicada na página 12.
Esta edição revela, também, que o Varadouro estava se voltando para temas mais urbanos. Por isso destaca nas páginas centrais que os novos bairros formados por invasão “lutam para sair da miséria”, e tome alfinetada nos políticos descompromissados. O jornal se preocupou em preparar uma lista dos diversos grupos, dando nome e função de seus membros, incluindo aqueles que ficavam na “coluna do meio”.
Também mereceu destaque na edição um tema ainda tabu na época: Santo Daime. O jornal entrevistou um conselheiro da doutrina, José das Neves, que há 51 anos ingeria a bebida em companhia da esposa, dona Ester. “Se acabar a floresta – diz ele na entrevista – então pode terminar com a humanidade que não vale mais nada. Sabe porquê? A floresta nos dá vida e a vida sopra de lá e cobre o mundo”.
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