domingo, 9 de janeiro de 2011

Varadouro 14: cuidado com a “onça”!

Varadouro 14: cuidado com a “onça”!
Elson Martins

Em 1979 a ditadura militar ainda funcionava a plenos pulmões no País. No Acre, o governador nomeado pelo governo federal, Geraldo Mesquita (1975/1979), conseguira através de sua amizade com o general Geisel fazer o sucessor (também “biônico”) Joaquim Macedo, ex-gerente de seringal em Brasiléia. As opções políticas na época eram tão ruins que o Varadouro acolheu a indicação como boa promessa.
Não que o jornal tivesse algum rabo preso com o governo, mas o barão Mesquita tinha sinalizado que o Acre não devia virar pasto como Rondônia, e Macedo tinha uma caída pelo extrativismo. Outra coisa que o recomendava era o cunhado Elias Mansour Simão Filho, seu Chefe do Gabinete Civil que figurava na lista montada pelo general Garrastazu Médice (um dos mais duros do regime) com os nomes de 197 comunistas infiltrados na administração pública brasileira.
Nossa relação com Elias era afável e de quase cumplicidade. Isso no começo, pois no meio do mandato de Joaquim Macedo (1979/1982), este recebera até recomendação do médico para não ler nossas provocações na imprensa, do contrário, seria difícil controlar sua pressão com remédios. No jornal diário A Gazeta do Acre, que após fracassar sob o comando de um grupo de Porto Velho caiu nas mãos da turma do Varadouro (que parou de circular em 1981) - a corda ficou esticada com o governo. Sobrevivemos a duras penas com a ajuda do empresário Wilson Barbosa, que monopolizava o abastecimento de carne na capital.
Na Gazeta, a gente só não podia reclamar do preço da carne, quanto ao resto... Vendíamos cerca de 3.500 jornais diariamente e conseguimos fazer bom jornalismo com uma equipe esforçada e competente. O repórter Arquilau de Castro Melo, hoje desembargador - produzia quatro matérias polêmicas por dia.
Bom, mas estou falando da edição 14 do Varadouro: dois anos antes do jornal bater as botas, estávamos peregrinando pelas gráficas do país porque em Rio Branco não tinha boca para imprimi-lo. Esta edição foi impressa em São Paulo nas oficinas as Empresa Jornalística AFA Ltda, na Avenida Liberdade, e para isso contamos com a solidariedade de pessoas e da imprensa nanica espalhada pelo país para encontrar a solução à distância.
Da mesma forma o número de colaboradores aumentava na redação do jornal localizada na Travessa Epaminondas Martins 141, no bairro do Bosque, precisamente uma ruela que inicia na cabeceira da ladeira da Maternidade na Avenida Getúlio Vargas. O prédio ainda está lá, quase do mesmo jeito como seu Elizeu nos alugou consciente de que teria dificuldades de receber a mensalidade. A Eurenice, filha dele, na época universitária e hoje professora doutora da Universidade Federal do Acre era nossa principal avalista.
Entre os novos colaboradores estavam Paulinho (fotografia), Serginho e José Grilo (diagramação), Raul Velásquez (ilustração), Luis Antônio (revisão) e os redatores Antônio Marmo, Mary Allegretti, Toinho Alves, Ray Cunha, Maria Auxiliadora Guimarães,  Cafieiro, Nellie, Vicent Carelli, Raimundo Nonato (Brasiléia), João Batista e Renata. Alguns desses nomes ajudaram no fechamento da edição em São Paulo.
A capa do número 14 veio com quatro manchetes de peso igual: Acre corre sérios riscos, Alucinações do Santo Daime, Mentiras sobre o Índio e Roteiro da prostituição. Essa sobre os riscos partiu do BDF (hoje Ibama). O órgão subordinado ao Ministério da Agricultura propôs “contratos de risco” com empresas nacionais e estrangeiras para exploração da madeira da Amazônia. Já pensou?  O Toinho que fez uma ilustração para a última página já imaginou passarinhos piando em inglês: Peaw! Peaw!
Mas a matéria mais polêmica na região foi sobre as “mentiras” que o antropólogo Terri Aquino descobriu num relatório da Agência do Banco da Amazônia em Tarauacá. Ao todo foram seis mentiras que o Terri teve que desmentir. A primeira dizia que não existiam reservas indígenas em Tarauacá; a segunda dizia que os índios sempre conviveram pacificamente com os seringalistas; a terceira que os índios recebem apoio dos patrões seringalistas; a quarta que os filhos dos índios estavam nas escolas... E por aí vai.
Após a publicação do relatório o Txai Terri viveu em apuros na região do Juruá, chegando a ser perseguido rios acima e abaixo por um destacamento da Polícia Militar. Chegou-se a anunciar que a “onça” tinha comido o antropólogo, e teve quem viu o corpo (ou que teria restado dele) ser desembarcado envolto num lençol branco, de um aviãozinho fretado pelo governo. Era boato. Dias depois Terri reapareceu são e salvo pelas bandas de Cruzeiro do Sul. De qualquer forma, o relatório e a repercussão de sua divulgação deixaram claro que o passado do Banco da Amazônia o condena.
Nessa edição tem ainda uma matéria importante sobre posseiros urbanos, um problema que tem origem na expulsão (pelos fazendeiros) das famílias extrativistas dos seringais; e uma carta inédita do seringueiro Rubem Rebouça de Oliveira ao Presidente da República. A carta foi recolhida pela antropóloga Mary Allegretti no seringal Alagoas, no alto rio Tarauacá em maio de 1978. O curioso é que para o Rebouça, o presidente da República ainda era o saudoso Getúlio Vargas, morto em 1954.
Não tem importância: o que ele mandava dizer na carta servia para o presidente de 1978, o general Ernesto Geisel: “Presidente da Nação, o sr. está de costas para o Acre”. Não sei informar se o general a recebeu, muito menos se Getúlio Vargas, onde quer que estivesse pôde ficar de frente para o bravo seringueiro.

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