Um Brasil que está para ser descoberto. As águas barrentas vão nos levar a um país de desamparados. No meio do caminho da nossa reportagem, tem um rio cheio de mistérios e um navio carregado de esperança. Vamos a bordo dessa aventura, que começa no Acre.
Somos recebidos pelo comandante Gleiber Banus, que conduz a tripulação do "Doutor Montenegro". O navio é um pronto-socorro da Marinha que tem plantão 24 horas, a serviço dos brasileiros que vivem isolados na Floresta Amazônica.
O comandante avisa que o acesso pode ser feito pelo rio ou pela via aérea. O rio é a estrada na região amazônica, mas é uma estrada cheia de curvas. E o Rio Juruá é considerado o mais sinuoso do Brasil. O Juruá se contorce na imensidão verde.
O ponto de partida é o porto de Cruzeiro do Sul, e o nosso destino é Marechal Taumaturgo, a cidade brasileira mais perto da fronteira com o Peru.
Para percorrer uma distância que seria de poucos quilômetros em linha reta, a gente leva muito tempo. E em busca do tempo perdido, aproveitamos todos os instantes desta missão heróica.
É um trabalho que mistura aventura, dedicação, solidariedade, paciência, descobrimento, e muita realização. Mas quem são eles? Os médicos Guilherme Yamashita, de Londrina, Paraná, de apenas 23 anos. Renata Borgo do interior de São Paulo, de Jaú, e Daniel Brandtinieris de Sorocaba têm 25 anos. Tem também Fernando Nóbrega da Universidade de São Paulo. E Flávia Marinho, de São Paulo, a pediatra do grupo.
Entre os dentistas, Fernando Alexandria é o mais experiente. De 33 anos, ele veio do Rio de Janeiro, assim como Danielle Dalmásio, de 29 anos. Camila Ishikawa é de São Paulo e tem 27 anos. Andrew Wschnsky, de 29 anos, é de Santa Catarina.
Priscyla Gouveia, maranhense de 27 anos, é a responsável pela farmácia. O enfermeiro é o sargento Magnus Vinicius da Silva, um nordestino do Rio Grande do Norte.
Levar estes profissionais da saúde com segurança aonde a população mais precisa é a missão este ano do comandante Gleiber Banos, carioca de 38 anos. E a navegação na região é difícil. "Aqui tem muito banco de areia. Tem que saber por onde a gente tem que passar", explica.
O comandante está preocupado com o nível do rio. “O Rio este ano está bem diferente dos anos anteriores: está em raso”, contou. O jeito é torcer para chover mais e as águas subirem. O Rio Juruá continua baixando. Cada vez mais, a gente vê o barranco - sinal de que o rio não está subindo. Isso é preocupante, porque o barco não consegue mesmo navegar, mas a equipe médica da Marinha está indo fazer o atendimento na cidade de Cruzeiro do Sul.
A equipe de socorro está a postos para arregaçar as mangas, porque já tem muita gente ansiosa aguardando os "doutores da esperança".
O repórter André Luiz Azevedo pergunta para a médica Renata Borgo se ela já tinha feito consulta para seis crianças ao mesmo tempo. E ela responde: "Aqui geralmente vem a família toda. São seis ou sete crianças, pai, mãe".
Daniel examina Lilian, que está com uma febre de 39ºC. O enfermeiro Magnus, com toda paciência, prepara a menina, antes da injeção para curar de vez a infecção na garganta. "Você se torna uma pessoa mais humana aqui", diz Daniel.
E é mesmo uma experiência compensadora. Durante o ano inteiro em que ficam servindo na Amazônia, os jovens doutores ganham salário de cerca de R$ 4 mil por mês, longe de casa, perto de um Brasil desconhecido.
Nessa área de vastidões na Amazônia, onde tudo é muito grande, muito difícil, as casas ficam isoladas. Nesta época do ano, que teve pouca chuva, o acesso é difícil.
Nós estamos chegando a uma casa de uma família que vai para o atendimento médico e dentário. Para isso, temos que passar por uma ponte improvisada. O repórter André Luis Azevedo chega ao local e encontra a dona de casa Maria Eunice Brás. "Eu sou mãe de doze filhos! Morreram três, mas já eram grandes. Agora tem sete comigo em casa", revela.
A Dona Maria Eunice conta faz, quando uma criança que tem um problema: "Nós saímos três da madrugada daqui e chegamos 10h30 do dia". Eles saem, em plena madrugada, e enfrentam o caminho difícil que a equipe fez. Sem a equipe do navio, atendimento médico só na cidade de Cruzeiro do Sul.
"Quando está chovendo direto, é quase o dia todo para chegar", afirma a dona de casa. "Se a criança estiver passando mal mesmo ou uma pessoa adulta, ela morre".
É a sina do povo deste Brasil tão distante de tudo. Mas a família da dona de casa Maria Eunice Brás e do aposentado Edilson Maciel da Rocha se vira como pode. O tambaqui já se multiplica com facilidade no criadouro bem em frente de casa. A família se sustenta sem fartura, mas com muita força de vontade.
Maria Eunice conta quais os filhos vão ao médico. As meninas vão com o pai, seu Edilson.
A notícia da chegada da equipe de médicos e dentistas se espalha rapidamente. A divulgação é feita boca a boca e, logo, toda a região fica sabendo.
Edilson e as filhas embarcam no caminhão fretado para buscar as famílias isoladas. "Eu estou sentindo muita câimbra e fraqueza dos nervos", diz o senhor.
Desta vez, foi rápido. O socorro médico está em uma escola da região. O médico Fernando vai atender Edilson e a Lorena. Filha e pai são medicados e saem satisfeitos. "Isso para nós, aqui, é novidade, porque não acontece", revela Edilson.
Os médicos formados nas melhores faculdades enfrentam o desafio que, certamente, não estava nos livros das escolas: a dura realidade brasileira, o drama de passar receita para famílias inteiras em que todos são analfabetos. "O que a gente sente mais falta, nessas comunidades, é educação”, declara Guilherme.
E o médico conta como faz para receitar para um analfabeto: "A gente pode usar desenhos. Um remédio que é para ser tomado duas vezes por dia a gente pode desenhar um sol, e ai você explica para a pessoa que esse sol quer dizer que ela vai tomar o remédio de dia. E uma lua, que mostra para ela tomar à noite".
"O desenho é uma linguagem universal, todo mundo entende", ressalta a médica Renata Borgos.