domingo, 9 de janeiro de 2011

Varadouro 23: tempo de mudanças

Varadouro 23: tempo de mudanças
Elson Martins
“Nesta edição, o novo em Varadouro está na matéria sobre educação infantil, onde se levanta algumas indagações acerca do significado da formação a partir da qual são moldadas nossas crianças. E também nos desenhos de Branco (Roberto Medeiros) – desenhos jovens que retratam a vida com humor e serenidade”.
É o que está dito no editorial da edição 23 do Varadouro, que circulou em agosto/setembro de 1981. Os desenhos de Branco, um tanto surrealistas, ocupam as páginas 14 e última. Na página 14 o jovem desenhista descreve “uma viagem fantástica à Estexper, estação orbital do planeta” e anuncia: “Estamos no ano de 1981, o ano versátil por excelência. O homem já foi à Lua, está perto de Marte e já existe o orgasmo múltiplo”.
Decididamente, o Varadouro buscava uma linguagem urbana adequada às mudanças de comportamento que se impunham na agitada Rio Branco dos anos 1980. A ditadura militar começava a entregar os pontos, o bar Girau, da Socorro, perdia sua clientela de esquerda para o Casarão e para o Café Concerto, da Rose, que se tornou o “point” da boemia com liberdades infinitas. O local de abrangência do bar (rua Alvorada, Bosque) ficou conhecido como “Esquina do Pecado”.
E tinha, sobretudo, as mudanças no plano político e ideológico. No livro Comunicação Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia Ocidental, o sociólogo Pedro Vicente Costa Sobrinho faz um estudo inteligente das agruras e venturas do Varadouro (tema de sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo) mostrando fatos que influenciaram no fechamento do jornal na edição 24, em dezembro de 1981. Na página 163 da obra publicada em 2001 pela Editora Universitária da Universidade da Paraíba, ele informa:
“Observa-se que a partir de 1979, além dos encargos com a correspondência dos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil assumidos pelos jornalistas Elson Martins e Silvio Martinello, editores e principais repórteres do Varadouro, estes passaram a editar o diário Gazeta do Acre, no qual parte da equipe de redação do alternativo engajara-se. A sobrecarga de trabalho daí proveniente repercutia, com certeza, no desempenho do jornal das selvas, tanto é que no ano de 1979 apenas circularam quatro edições. Em 1980, só duas edições: março e maio. A equipe já vinha revelando um certo cansaço, resultante, em parte , das dificuldades naturais de se fazer um alternativo no Acre. Por outro lado, a abertura democrática, a suspensão da censura, a anistia etc., enfim, a crise da ditadura alargou as possibilidades de a grande imprensa tratar de assuntos antes reservados aos alternativos. Além disso, os partidos e agrupamentos da esquerda clandestina ensaiavam o rompimento das frentes, e ainda começavam a organizar seus próprios meios de comunicação. Na imprensa alternativa mais política o fato já veio antes ocorrendo, pois o Opinião gerou o Movimento, que gerou o Em Tempo, que gerou o Amanhã e daí por diante”.
Pedro Vicente informa que “no Acre o PC do B articulou a distribuição do Movimento chegando a vender 150 exemplares semanais e manter mais de 80 assinantes mobilizando para isso pessoas ligadas à esquerda católica e às CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). Outros jornais ligados à esquerda começaram a mobilizar sua militância para que fossem distribuídos: Hora do Povo, O Trabalho, etc. O ajuntamento de outras pessoas ao grupo, anunciado pelo Varadouro, em editorial na edição de abril de 1981, estava longe de assegurar a permanência do jornal”.
A qualidade do Varadouro, contudo, não foi alterada com as mudanças. Esta edição tem como matéria de capa uma ampla reportagem sobre os migrantes que chegam do sul do país procurando um pedaço de chão nos projetos do Incra. Fragilizados, com um histórico de expulsões em outras regiões, eles falam de seu calvário com indignação, mas não perdem a esperança. Eles vieram de Itaipu com crianças e caixotes e foram jogados em barracos improvisados no projeto Pedro Peixoto. Mas a situação de onde eles vieram era pior.
”Enquanto eu tiver vida – diz o baiano Arnaldo, vindo do Paraná – eu quero mexer com o corpo”...

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