Varadouro 11: astúcia contra ratos
Por Elson Martins
Na edição número 10, disponibilizada no site da BFMS mês passado, o Varadouro denuncia os métodos que a Agropecuária Cinco Estrelas S.A. empregou para expulsar as famílias do seringal Araripe, no município de Tarauacá, em meados dos anos setenta. O jornal entrevistou na edição seguinte (11) o jovem seringueiro Francisco Lopes dos Santos, uma das vítimas, que fez um relato dramático da situação.
Francisco e sua família (esposa, pai e irmãos) foram os últimos a sair do seringal, tocados pelo administrador da empresa, Gil Meirelles, que gozava de poder e prestígio junto às autoridades municipais. Durante a entrevista, Francisco falou com o repórter como se estivesse diante de seu algoz:
- “Eu não sou covarde que nem tu (Gil), não. Se eu fosse covarde não estaria sofrendo no seringal Araripe. Tu vê que são quatro anos que eu sofro a maior necessidade, porque fiquei resistindo com a minha família, na minha colocação. Eu não sou menino não. Eu nasci e me criei cortando seringa. Eu já fui até “tuxaua” da seringa no tempo do sr. Olavo Torres de Figueiredo. Tu procura saber com ele, Gil: eu sou analfabeto, não sei nem assinar o meu nome, mas não sou homem de mentira não. Eu sei contar o que é passado. Eu sou um cidadão da seringa”.
A matéria com Francisco circulou em agosto de 1978, com o titulo “O diabo pra quem merecer”, uma expressão que ele utilizou em seu desabafo. Ocupou duas página (18 e 19), com amplo levantamento das arbitrariedades cometidas pela Cinco Estrelas, contra os seringueiros tarauacaenses. Os fazendeiros agressores contavam no estado todo com os prefeitos, autoridades de segurança e membros da justiça como aliados.
Apesar da importância e do tamanho da matéria sobre a Cinco Estrelas, ela não foi destaque de capa. Outros assuntos foram escolhidos para mostrar a efervescência social e política que sacudia o Acre de então. Tinha o movimento das lavadeiras nascido dentro da redação do jornal, e a reorganização dos estivadores. Tinha a presença dos índios fazendo denúncias e determinados a recuperar suas aldeias. E tinha a vigilância de sempre, do jornal, em cima das atividades policiais civis e militares.
Um tema que quase ocupa quatro ou seis páginas foi a dos ratos que ameaçavam Rio Branco, sobretudo a periferia da cidade. A repórter colaboradora Laura de Paula, professora da UFAC que trabalhou a matéria jogou pesado na redação para obter espaço, e não se conformou com as duas páginas (9 e 10) oferecidas. Imagino que até hoje ela anda intrigada comigo e com o Silvio Martinelo, que tivemos de bater o martelo.
Na verdade, era compreensível a insistência da Laura. Ela tinha vindo do Rio de Janeiro com o marido Maurício, também contratado pela Universidade Federal do Acre, e se deparou com cenas chocantes no cotidiano da periferia de Rio Branco, decorrente do pouco caso que a Prefeitura fazia da Limpeza Pública. Os ratos a deixaram muito assustada, principalmente depois que ela ouviu o relato de que um deles tentara comer o pênis de um recém-nascido.
Na verdade, Laura se deparara com a realidade cruel das famílias expulsas dos seringais e que viviam completamente desarrumadas na cidade. Naqueles tempos escassos de cidadania, o dinheiro público servia apenas para alimentar outros ratos, de duas pernas, que pouco se lixavam para o inferno astral do povo. A impunidade grassava nas elites que só tinham olhos para suas gordas contas bancárias.
Os “empoderados” da época não perceberam a astúcia de um movimento popular que se organizava e crescia com apoio de um jornal alternativo, pequeno e pobre, mas enjoado. Tampouco imaginavam que o partido criado pelos povos da floresta chegaria ao poder nos anos 1990, impondo de lá para cá, mudanças sociais, políticas e de gestão importantes.
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