domingo, 9 de janeiro de 2011

varadouro 5º

Nas folhas da seringueira
Por Elson Martins
“Não façam um jornal para o Rio e São Paulo! VIVA O ACRE!”
O apelo escrito à mão e em letras maiúsculas, consta de uma cartinha amável que o genial cartunista Henfil, irmão do sociólogo Betinho enviou ao Varadouro em novembro de 1977. Henfil tinha recebido os três primeiros números do Jornal em Lagoa Nova, no Rio Grande do Norte, onde se exilara voluntariamente. Confessando-se emocionado, escreveu:
“Povo do Varadouro! Recebi finalmente três jornais. Só achei uma coisa que muito me emocionou: não tem cheiro de Rio de Janeiro nem de São Paulo. Tem cheiro de Acre! A paginação, a leitura, tudo tem a cara do Acre! Como é que vocês conseguiram? Um apelo: aprofundem mais isto. Quero receber o número 4 impresso em folha de seringueira”.
Além da cartinha amável, Henfil desenhou a “graúna” (um dos seus mais ricos personagens) anunciando o Varadouro para os leitores do Pasquim, com endereço e tudo. Uma consagração para o jornal.
Coincidência ou não, o cartunista sintonizava as preocupações dos jovens universitários que disputavam a eleição para o DCE da Universidade Federal do Acre (Ufac) e davam à sua chapa o nome de “seringueira”. A chapa venceu provocando uma reviravolta nas discussões internas.
O Varadouro registrou na edição número 5 (disponibilizada em PDF neste site), numa longa entrevista, as idéias de Valdir Nicácio, Álvaro, Eurenice e Walterles, componentes da nova diretoria do DCE que festejaram o fato de poderem levar a palavra “seringueira” para dentro da Universidade.
Na época, é bom lembrar, a Ufac vivia submetida ao mau humor e às suspeitas dos militares de Brasília: os professores que contratava passavam antes por uma triagem no Conselho de Segurança Nacional, enquanto o reitor Áulio Gélio, vez por outra, era sabatinado por coronéis do SNI (Serviço Nacional de Informações). Embora tenha sido ele próprio um aplicado defensor do regime militar.
Mesmo assim, a instituição era citada como instrumento de transformação da realidade acreana. Até que, em 1976, apareceu um professor da Paraíba dizendo que nem tanto. Oswaldo Sevá, contratado para planejar o departamento de Extensão Universitária diagnosticou com perspicácia que o estado de espírito da universidade era outro: “É tranqüila demais para a sociedade efervescente que a cerca”, observou.
Mas a Universidade começava a viver momentos intranqüilos. Promoveu eventos como o simpósio dos cem anos da migração nordestina, discutiu a economia da borracha, solidarizou-se com a luta dos seringueiros e índios contra a ocupação das terras por fazendeiros do centro-sul.
Também acolheu a discussão ambiental reconhecendo a liderança de Chico Mendes. É uma pena que, decorrido três décadas, parece ter encolhido e aproveitado pouco das teses e conclusões a que chegou no calor dos anos 70/80.
A edição 5 do Varadouro caminhou mais que as anteriores na direção recomendada por Henfil: tem cheiro e cor do Acre. A matéria “CAETÉ - onde se vive apenas 20 anos” é um exemplo. Produzida pelo Padre Heitor Turrini durante uma desobriga, tem a dimensão de um ensaio sociológico, um libelo que celebra o homem seringueiro enquanto denuncia o seu estado de abandono. Um texto desses não envelhece e deveria ser editado por alguma ONG ou pelo próprio governo.
Faz tempo, um punhado de pessoas que trabalham a comunicação sem enfiar o rabo num cofre procura uma linguagem adequada para tratar das questões acreanas junto aos principais interessados: ou seja, seringueiros, ribeirinhos, índios e seus descendentes que vivem na periferia das cidades. Em tempos de vemos, aqui e ali, a busca da linguagem que, como Henfil, pessoas de diferentes partes do planeta identificaram no Varadouro. O texto do Padre Heitor pode ser um caminho.
No Varadouro prevaleceu a linguagem do conflito em algumas ocasiões; a linguagem da indignação em outras; e, sobretudo a linguagem do compromisso com a cidadania e a ética, o respeito às etnias, a identidade verdadeira com o homem e o meio ambiente.
A matéria “Um Índio para Presidente”, que está na página 15 do encarte, seria ilustrativa dessa busca de linguagem se não estivesse truncada (as gráficas constituíam o maior calo da equipe do Varadouro). Ela coloca a problemática do índio acreano de forma original a partir de um desfile de 7 de setembro em Cruzeiro do Sul, onde um grupo de Poyanauas foi induzido a desfilar pela coordenação local do Projeto Rondon.
Nada mais humilhante. Os Índios desfilaram para os “caras-pálidas” num calor infernal, de pés descalços no asfalto quente, e sob vaias de pessoas que secularmente os descriminaram. Pode um repórter de verdade não escrever um texto indignado diante de uma cena dessas?
A indignação foi o gancho para divulgar o relatório da antropóloga Delvair Montagner Melatti sobre a história do povo Poyanaua na região. Por volta de 1908, eles eram mais de 800, habitando a área do seringal Barão do pioneiro Coronel Mâncio Lima. Consta que o Coronel “amansou” a maioria dos índios utilizando métodos condenáveis, mas antes de morrer procurou compensa-los: os Poyanaua são os atuais donos do Seringal Barão e têm o respeito dos herdeiros de Mâncio Lima.
Mas a história será sempre implacável com o coronel que, segundo relatos colhidos da época, pensou até em oferecer um índio de presente para o Presidente da República.
Na mesma edição o Varadouro abriu espaço para os depoimentos que algumas pessoas do Acre deram à CPI da Terra, montada no Congresso. O Bispo Dom Moacyr Grechi, o engenheiro agrônomo e professor universitário (hoje doutor em economia rural) José Fernandes do Rego e o Jornalista Elson Martins (este seu criado), levaram ao congresso denúncias e análises da situação das terras no Acre. O jornalista, bem no estilo do Varadouro, envolveu até um general do Exército nas denúncias.
Durante seu depoimento o jornalista exibiu para os deputados o filme “Nós e Eles”, produzido por Augusto Sevá (irmão de Oswaldo Sevá), que ao filmar os conflitos de terra no Acre acabou levando uma carreira dos jagunços na estrada de Sena Madureira, uma perseguição de veículos que só se vê no cinema americano. O cineasta foi salvo pela poeira da estrada (no verão), mas seu trabalho resultou num forte documento revelador dos conflitos fundiários dos anos setenta no Acre.
Na opinião dos editores, o Varadouro 5 foi dos mais densos e honestos, tanto pelas matérias sobre o rio Caeté e dos índios do seringal Barão, como pela entrevista e exploração de menores numa fabricação de tijolos e outra sobre a antiga Guarda Territorial. Para completar, na última página, o jornal iniciou um debate sobre a cultura acreana sob a batuta do professor, poeta e sociólogo Clodomir Monteiro, professor da UFAC.

Nenhum comentário:

Páginas