domingo, 9 de janeiro de 2011

Varadouro 18: Violência no Acre

Varadouro 18: Violência no Acre
por Elson Martins
Em março de 1980, portanto há 30 anos, os jornalistas que faziam o jornal alternativo Varadouro já percebiam e anunciavam: “A violência está aumentando no Acre”. A frase virou título de capa da edição número18, e a matéria ocupou as duas páginas centrais (12 e 13). A abertura sobre o tema tem cara de editorial, como se pode ver neste trecho:
“À véspera do carnaval, três jornalistas aguardavam na sala do diretor de Polícia Judiciária, Américo Carneiro Paes, uma entrevista com o secretário de Segurança Pública que ia anunciar a proibição da moda topless. Encontravam-se na sala, um capitão da PM que aparentemente tinha audiência marcada com o secretário, um senhor idoso e forte com ares de carcereiro e um jovem de cor, de seus 20 anos, que estava sentado numa cadeira com as mãos postas entre as pernas e a cabeça abaixada”.
“O diretor de polícia, Américo Paes, um tipo magro e agitado que age como se tivesse um acúmulo exagerado de serviço sobre a mesa, folheava um grosso volume contendo o Código Penal e instruía o sujeito com cara de carcereiro sobre o que fazer: “Aplica este artigo aqui e este aqui. Peraí! - deixa eu escrever. Combina este com este e ouve quatro testemunhas. Não precisa que tenham visto a cena, pois essas coisas nunca se vê. Basta que tenham sabido da família, da vizinha, pelo rádio, televisão ou pelo escambau. Aproveita e identifica logo esse camarada criminalmente”.
Quando o carcereiro saiu com sua presa, o diretor virou-se para os jornalistas e declarou: “Com tanta mulher boa no Acre esse sujeito vai comer uma menina de três anos! Por isso que vocês criticam a Polícia: num caso desses o cara tem que levar porrada mesmo!” Na seqüência, o capitão da PM defendeu o ponto de vista de que os policiais não conseguem agir segundo as leis que asseguram defesa ao acusado, porque “há um sentimento de justiça próprio, mais forte, que fica por conta do temperamento de cada um”.
“A partir daquelas declarações, os jornalistas ficaram mais convencidos do espírito de arbitrariedade que orienta as ações das mais responsáveis autoridades da segurança pública no Estado, e de como estas, de um modo geral, revelam-se incompetentes para a função que exercem”.
Ainda na matéria sobre violência, o jornal cita práticas de tortura que eram comuns nas delegacias do interior do Estado. Em Brasiléia, um delegado de polícia adotou métodos originalíssimos, obrigando um grupo de pescadores a “rastejar como cobra, ciscar como galinha e piar como pinto”. Em outros municípios, foram utilizadas substâncias como peixe cru, pimenta, urtiga e cipó ambé nas sessões de tortura.
Na época, o coronel carioca Carlos Alberto Martins Santos comandava a Polícia Militar do Acre e assumia interinamente a Secretaria de Segurança Pública. A população o tinha como sujeito arbitrário, que protegia policial violento e encobria crimes de agentes civis. Ao Varadouro, porém, ele procurou mostrar-se um militar sereno e correto. Até rasgou seda ao descrever o infrator acreano:
- O criminoso puro, frio, aqui no Acre não tem, não. Jagunço aqui no Acre, vocês já viram algum? São todos de fora, contratados em outros estados. O criminoso daqui pratica o ato ou por bebida ou por questão de mulher, mas passando o efeito é uma pessoa normal. Eu sempre digo que o Acre é um paraíso, e tenho medo de que não vá continuar assim. De certa forma, é a dificuldade de acesso que faz a gente viver tranqüilamente por aqui.
Bom, já se foram 30 anos desde que o coronel falou isso. E, certamente, ele acabou fazendo, naquela época, alguma previsão correta: os problemas enfrentados hoje pelas autoridades de segurança são maiores e mais complexos; muitos deles, originados aqui mesmo.
A edição 18 tem também, na página 3, uma entrevista histórica com o ex-vereador do PMDB de Xapuri, Chico Mendes, que, decepcionado com sua bancada, resolvera renunciar ao mandato e voltar à condição de seringueiro, retomando a luta contra os fazendeiros que desmatavam a floresta para plantar boi. A entrevista foi feita pela antropóloga Mary Allegretti, curitibana que se tornou grande amiga de Chico e a principal responsável por sua projeção internacional.
Outra entrevista que repercutiu muito se encontra na página 9: Varadouro ouviu o professor da área de Biologia da Universidade Federal do Acre, Mauricio Mendonça, presidente da Associação dos Professores (Adufac) demitido pelo reitor Aulio Gélio Alves de Souza, de forma considerada injusta. O título da entrevista é “Mais uma cabeça que rola”, e o jornal começa jogando pesado: “Depois de muitas mentiras e trapaças, o reitor da Universidade Federal do Acre”...
O jornal destaca, ainda, uma mesa redonda com as lideranças políticas da Frente Popular e o “dissidente” Abel Rodrigues Alves que reorganizava o PTB no Acre; e o desabafo de lideranças indígenas contra a Funai e os responsáveis pela Casa do Índio em Rio Branco, que não respeitavam os donos da casa. Um destes, indignado com as humilhações impostas por uma cozinheira contratada pela Funai explode: “Não vim aqui pra lavar bosta”!
Varadouro notabilizou-se por respeitar a linguagem daqueles que sofriam na pela violência, nos 1970/1980, achando desnecessário rebuscá-la, minimizando o tom junto da revolta.

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