domingo, 9 de janeiro de 2011

Nº 12Varadouro com vara curta

Varadouro com vara curta
Elson Martins
A quem serve a justiça acreana? A indagação, estendida em letras maiúsculas encimando uma pilha de velhos processos judiciais, foi manchete de capa da edição do jornal Varadouro que circulou em setembro de 1978 em Rio Branco e outras capitais do país.  Perigosamente, o jornal cutucou a onça com vara curta.
A matéria era uma longa entrevista com o advogado Pedro Marques da Cunha Neto, da Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura), e ocupou três páginas com revelações estarrecedoras. Se ainda hoje, provocar a justiça representa risco para os jornalistas, porque juizes e desembargadores se consideram intocáveis, imaginem nos anos 70, em pleno regime militar, quando em princípio todo cidadão que ousava criticar os poderes constituídos era suspeito de subversão!
O entrevistado do Varadouro, entretanto, era um advogado experiente e, sobretudo, cearense valente e ousado que se formou em direito aos 50 anos de idade depois de cansar de ser caminhoneiro no trecho Rio-Bahia. Em 1974, ele veio para o Acre fazer um concurso para juiz, entretanto, nem fez a prova, pois, antecipadamente ficou conhecendo quem seriam os três primeiros colocados. Vai daí, decidiu permanecer no Estado como advogado da Contag, defendendo os seringueiros e posseiros que estavam sendo expulsos dos seringais pelos fazendeiros, grileiros e policiais militares... mais uma mãozinha da justiça.
Pedro Marques cita exemplos de omissão, incompetência e ilegalidades que facilitavam a expulsão e expropriação das famílias da floresta. Mas sua ousadia quase lhe custou a carteira de advogado. Membros da justiça pediram que fosse impedido de exercer a profissão no Estado, o que não  se confirmou por obra e graça de outro advogado experiente, seu amigo Océlio Medeiros, que veio de Brasília para defendê-lo.
Decorridos 30 anos de sua publicação, a entrevista não envelheceu de todo, principalmente, quando descreve a justiça como um poder das elites, mais sensível aos pleitos do poder econômico que aos direitos inalienáveis do cidadão comum. Logo na abertura da entrevista Pedro Marques declara:
“Costuma-se dizer que existem três poderes independentes, mas esses não o são, não foram e nunca serão. Há sempre a interferência de um outro poder que se chama poder econômico. O poder judiciário é propositadamente emperrado, não porque queira, mas porque há um propósito nisso. Não interessa ao industrial, ao banqueiro, ao comerciante que a justiça funcione. Isso não interessaria nunca, principalmente no campo do Direito Civil”.
O sistema não deixa a justiça funcionar, prossegue o advogado citando um exemplo de sua época:
“A revolução de 1964 mexeu em tudo, cassou políticos simplesmente porque discursavam, cassou gente de todo o jeito, mas o poder judiciário ficou praticamente intocável. Por quê? Porque ele é do sistema sempre, qualquer que seja o sistema, ele se adapta”.
Com outra matéria polêmica, Fé em Deus e pé na Terra, a edição numero 12 do Varadouro instiga a classe política. Afinal, 1978 foi um ano de eleições e a Prelazia do Acre e Purus preparara uma cartilha para ensinar o povo de Deus a votar. A prelazia contava com 500 grupos de evangelização espalhados pela periferia da capital, nas sedes dos municípios, ao longo dos rios e seringais. Cada um desses grupos possuía uma média de 10 pessoas, ou seja, em conjunto poderiam eleger até quatro deputados.
A cartilha continua atualíssima, mas os grupos eclesiais de base se desfizeram por decisão emanada do Vaticano, que via chifres e rabinho na Teologia da Libertação adotada pela igreja do Acre.
Ainda no campo político, Varadouro recorreu a uma sessão de humor na última página para tirar sarro de alguns candidatos. Um deles era o ex-governador Francisco Wanderley Dantas, o Dantinha ou, segundo Varadouro “governador dos bois” que queria ser senador. Valorizando seus cabos eleitorais, o candidato mandou fazer carteirinhas com fotos dos ditos cujos. E Varadouro, aproveitando a deixa, ofereceu um modelo com a foto de um boi e os dizeres:
“Fica o Sr. Boi constituído Cabo Eleitortal para com dedicação, amor e entusiasmo, ajudar na eleição do candidato Dantas – Senador do Acre”. Claro, ele se deu mal nas urnas da floresta.

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