domingo, 9 de janeiro de 2011

Varadouro 15 e o Partido de Massa

Varadouro 15 e o Partido de Massa
Por Elson Martins
A edição 15 do Varadouro circulou em junho de 1979, num começo de verão (estiagem) acreano muito tenso. A corda estava esticada entre os seringueiros organizados e sindicalizados pela Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), e os pecuaristas chegados do sul, que ameaçavam a floresta e seus habitantes tradicionais.
Naquele ano, após o mutirão contra a jagunçada realizado em Boca do Acre, em setembro, com a presença de 300 seringueiros, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Wilson Pinheiro, anunciaria que não iria mais permitir derrubadas no Estado. A declaração foi como uma sentença de morte: em julho de 1980, ele foi assassinado na sede do sindicato por dois pistoleiros que agiram a mando dos fazendeiros.
A capa do Varadouro, que mostra um jovem em traje de caçada, com espingarda em punho e outros paramentos, expressava a confiança dos seringueiros em sua organização sindical. A foto foi oferecida pela fotógrafa carioca Lena Trindade, que visitou o Acre registrando a luta dos trabalhadores acreanos naqueles tempos difíceis.
De certa forma, a foto dialogava também com a manchete principal: “Vem aí o partido de massa. Quem se habilita?”
Mas, ainda não se falava na criação do PT (Partido dos Trabalhadores). O partido de massa poderia ser o velho PTB de Getúlio Vargas, ou o MDB de Ulysses Guimarães, ou ainda o PS (Partido Socialista), segundo uma Frente Popular organizada às pressas para as eleições de 1978 e que não conseguira avançar sob a liderança do cruzeirense Aluízio Bezerra, de práticas políticas questionáveis.
O modelo partidário (de massa) tinha sido desenhado pelo ex-ministro do Trabalho, Almino Afonso, com os seguintes pressupostos:
“1) Deve ser um partido popular, mas não um estrito partido de classe, um partido operário. O partido representará os assalariados, incluindo a classe operária, os empregados do comércio e serviços, os camponeses e a classe média profissionalizada (advogados, engenheiros, arquitetos, jornalistas), cujas relações de trabalho são crescentemente assalariadas;
2) Deve ser um partido comprometido com um projeto nacional, com ampliação do mercado interno e distribuição de renda; modificação do perfil da produção ou o modelo para adequá-lo às necessidades internas e não à exportação; e multiplicação de empregos;
3) Deve ter a democratização como um dado permanente de sua plataforma política e não como uma postura meramente tática”...
O partido de massa acabou sendo mesmo o Partido dos Trabalhadores (PT) criado em 1980 e que ignorou a efêmera Frente Popular de 1978, orientada por Aluizio Bezerra e outros caciques da esquerda peemedebista. Estes deixaram escapar a chance de desenvolver o Acre durante o governo Nabor Júnior (1982 -1986) que preferiu “apelegar” lideranças rurais forjadas na luta contra os fazendeiros, excluindo-os do processo político.
O Varadouro 15 deu destaque também para a entrevista com o médico e professor amazonense Marcus Barros, que colocou a mão na ferida desnudando a medicina mercantilista que predominava (e por certo predomina, ainda) na Amazônia. A entrevista, feita há 20 anos, em muitos pontos se revela atual.
E a exemplo do que vinha acontecendo em outros estados, os acreanos se manifestaram contra a entrega da Amazônia às multinacionais. O jornal publicou trechos da Carta Aberta em Defesa do Acre e da Amazônia lançada pelo Movimento em Defesa do Meio Ambiente do Acre.
Finalmente, a seção de Cartas (na segunda página) que sempre apresentou novidades, nesta edição abre com a com a mensagem de Vladimir Pomar, cujo endereço postal era  um presídio de São Paulo. Nascido em Belém em 1936, Vladimir tinha na época 43 anos e era considerado inimigo da ditadura militar que governava o país.
Militante desde 1949, ajudou a fundar o PC do B em 1962. Preso no regime militar atuou clandestinamente durante a década de 70, até a extinção do AI-5 em 1978 por Ernesto Geisel. Colocado em liberdade, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (1980) e integrou a executiva nacional do PT (1984-1990). É autor de diversos livros e estudos sobre a China, a história do Brasil e da esquerda brasileira, entre eles o caso de Araguaia.
Publicar sua carta naqueles tempos não deixava de ser uma provocação ao regime militar. Mas o Varadouro corria o risco, consciente e corajosamente.

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