Por Geisy Negreiros, do jornal A Gazeta |
Sex, 03 de Setembro de 2010 09:30 |
Quarta obra do jornalista sobre a história do Acre será lançada na próxima segunda-feira, 6, às 19h30, no Memorial dos Autonomistas Depois de A Ilha da Consciência, Corações de Borracha e Amanda, o jornalista e escritor Silvio Martinello admite que exagerou neste seu novo livro, ACRE – onde o vento faz a curva, que será lançado na próxima segunda-feira, 6, às 19h30, no Memorial dos Autonomistas. O jornalista pegou - ou teria seqüestrado? - um Boeing em Rio Branco e o jogou em um descampado no meio da floresta amazônica. Como ele descreve, “era uma noite estranha, muita estranha”. O Acre, pelo menos, como ele também observa, “estava fora dos eixos”, porque naquele avião estavam representadas todas as classes sociais do Estado. Nesta clareira, ou seria um geoglifo ou um sítio arqueológico? - os passageiros, primeiro, terão que sobreviver a partir do nada. Como tudo no Boeing fora sabotado, terão que começar pelo fogo friccionando os pauzinhos como “homens e mulheres das cavernas”. A procurar água e comida na selva. A se defender dos predadores. Porém, seus problemas não acabam aí. Além de sobreviver nas condições mais adversas, os passageiros do Boeing terão que se entender. Divididos em partidos políticos, religiões e seitas, clubes de futebol e galeras, vai ser dureza suportarem uns aos outros, repartirem as tarefas, comerem da mesma comida, dividir a mesma oca. E aí começam a surgir e sobressair todo tipo de personagens, como o indigenista Leonardo, um “petista hormonal”, e sua Daní Huni Kui; conservacionistas do “verde” e desenvolvimentistas do “manejo”, que já não estão se entendendo; floresteiros e fazendeiros; empreiteiros do PAC; índios “fofinhos” e índios “caçadores de cabeça”; narcotraficantes e guerrilheiros; jornalistas, blogueiros, twitteiros, gringos e ongueiros. Até atores globais e hollywoodianos. Para atazanar a paciência de todos, um sujeito insolente, cara-azeda-de-quandu. Contudo, ACRE – onde o vento faz a curva não é apenas uma diversão, uma aventura. Valendo-se de seu estilo ágil, sardônico, Silvio Martinello leva o leitor a uma reflexão sobre a história do Acre, seus heróis, suas idiossincrasias, chegando até ao “bom momento” atual que o Estado está vivendo. Tem mais, este quarto livro de Silvio Martinello contém uma história em si mesmo. Como ele diz, na entrevista a seguir, “tem cheiro de bicho, de mato, de sangue, mas também muita política”, e um grande susto. A GAZETA – Por que seu livro tem “cheiro de bicho, de mato, de sangue, mas também muita política”? Silvio Martinello - Porque, além da história ser ambientada quase toda no meio da floresta, com muito verde, muitos bichos de todas as espécies e tamanhos, o livro foi escrito na Colocação Mulateiro, um pedacinho, uma nesga de alguns hectares de floresta, localizada aqui perto de Rio Branco. Ao longo dela, corre um igarapé, onde ainda se podem ver jacarés, pacas, cutias, coatipurus, capivaras. Até uma sucuri mora em um dos poços. Foi observando esses bichos e seus comportamentos que surgiram alguns personagens do livro. A GAZETA – Por exemplo? Silvio Martinello - Um sujeito insolente, folgado, um rebelde sem causa, que vive a aporrinhar os sobreviventes do Boeing que cai - ou é abduzido - no meio da selva. Ninguém pode propor nada para se safarem daquela situação, ninguém pode encostar, chegar perto que ele vai soltando desaforos. Foi observando um porco-espinho, que vem à noite comer as talas de coqueiros, que me ocorreu a idéia de apelidar esse personagem de cara-azeda-de-quandu. Quandu é como os seringueiros chamam o porco-espinho ou ouriço caixeiro. Uma noite, o cachorro do caseiro acuou o bicho e o cachorro levou a pior. Correu da briga com o focinho cravejado de espinhos que o quandu soltou de sua carcaça. A GAZETA – Outro exemplo? Silvio Martinello - Os macacos-de-cheiro. Foi também observando o comportamento desses macacos que os coloquei no livro. Como o quandu, eles também saem da mata e vêm em bandos comer banana, goiaba, manga, todo tipo de frutas que encontram na colocação. Ao contrário, porém, do quandu, eles são muito companheiros, solidários entre si. As mães têm um cuidado todo especial com os filhotes. Por isso, que eles aparecem no livro oferecendo frutas para os sobreviventes do avião. Porém, ficam atônitos e irritados quando se deparam com um grupo de sobreviventes, seus “primos” no topo da cadeia evolutiva, brigando por algumas barras de cereais. A GAZETA - E a história do susto? Foi também algum bicho, alguma onça que apareceu na Colocação Mulateiro? Silvio Martinello – Pior do que onça. No dia em que escrevi o último capítulo, em maio, salvo engano, à noite, ladrões arrombaram a casa e, claro, entre outros objetos, levaram o computador. Por sorte, algumas semanas antes, a Ivete, sempre ela, por isso que é minha musa, havia feito o back up e foi possível recuperar o livro. Mesmo assim, tive que reescrever os últimos capítulos e as correções que já havia feito. Deu um trabalhão. Mas não foi por falta de aviso, porque Ivete vivia avisando: “Cuidado! Faça cópias! Você é muito relaxado, ainda vai perder esse livro”. A GAZETA – Por que o título ACRE – onde o vento faz a curva? É apenas uma expressão, uma brincadeira ou é mesmo verdade que o vento faz a curva no Acre? Silvio Martinello – Como os meus 37 leitores poderão conferir no começo do livro, meu assessor para assuntos meteorológicos, El Brujo, Davi Friale, prova com sólidos argumentos e gráficos que é a mais pura verdade: o vento faz sim a curva no Acre. Em resumo, tudo se explica pelo paredão que faz a Cordilheira dos Andes. Outros estudiosos torcem um pouco o nariz para esta história, mas acabam concordando, em termos. Além disso, é preciso sempre partir do princípio de que o Acre é mágico, enjoado, abusado e tudo pode acontecer. A GAZETA – Como assim, tudo pode acontecer? Silvio Martinello – É outro capítulo do livro. Assim que o Boeing levanta vôo do aeroporto de Rio Branco é tragado por uma ventania muito forte. O piloto jura que vê os mesmos objetos voadores não identificados que uma equipe da TV GAZETA chegou a filmar. A partir daí, tudo se apaga, tudo é sabotado no avião. Mesmo assim, perdendo, completamente, o controle, a aeronave consegue pousar inteira – ou é abduzida – em uma clareira rasgada no meio da selva amazônica. Eu te pergunto: o que vem a ser essa clareira? A GAZETA – Huumm? Sei lá, uma área desmatada, uma fazenda? Silvio Martinello - Negativo. É um geoglifo. Ora, existem coisas mais fantásticas, mais misteriosas, mais mágicas do que esses 300 geoglifos que foram descobertos no Acre, sobre os quais, a rigor, ainda não se sabe quem os construiu e com que finalidade? A GAZETA – E aí o que acontece com o Boeing e com os passageiros que pousam no geoglifo? Silvio Martinello – Tudo o que você possa imaginar. Mas aí também você já está querendo demais, que eu conte tudo sobre o livro. A GAZETA – Tudo bem. O senhor ou você já escreveu três livros, abordando os três grandes momentos ou Ciclos Econômicos do Acre. A Ilha da Consciência, que trata sobre os primórdios da conquista do Acre. O segundo, Corações de Borracha, sobre os Soldados da Borracha, durante a Segunda Guerra. O terceiro, Amanda, sobre a entrada da pecuária no Estado, na década de setenta. Este quarto livro, Acre – onde o vento faz a curva, além desses fenômenos do vento fazendo a curva, de óvnis, geoglifos, trata do que? Silvio Martinello – Quer saber mesmo? Do atual ciclo, que chamo de o Ciclo do Asfalto e do Concreto, esse “bom momento” que o Acre está vivendo. Por isso, também, que o livro contém muita política. Leonardo, por exemplo, um dos principais personagens, é um “petista hormonal”, que pega briga feia de rua, para defender seu ídolo maior, o presidente Lula. Mas, é um idiota em política, em governabilidade e entra em profunda depressão quando estoura o “escândalo do mensalão”. Como existem situa-ções, personagens reais e fictícios, também não vou falar mais. É preciso ler o livro. A GAZETA – Tudo bem. Como o senhor – desculpe, você – lida com este drama da concorrência da internet, vivido hoje pelos escritores e também por nós jornalistas dos jornais impressos? Silvio Martinello – Quando surgiu esse fantástico mundo virtual, da internet e tudo o que se seguiu e ainda está por acontecer, confesso que sofri um bocado. As tiragens dos jornais despencaram, os livros viraram objetos de decoração nas estantes. Hoje, não sofro mais, porque já está havendo uma reacomodação das diversas mídias. Cada qual – o jornal, o livro, a televisão, o rádio, os sites, os blogs, o twitter etc. – vão ocupando seus devidos espaços. Aliás, este também é um tema que trato em um dos capítulos do livro. Quando o indigenista Leonardo entra no Boeing e vai logo pedindo um jornal, a aeromoça responde: “não servimos mais este tipo prato, senhor”. Ele fica muito puto. A GAZETA – Por quê? Silvio Martinello – Primeiro, porque é um turrão. Não quer dar o braço a torcer para as novas mídias. Depois, porque ele não imagina uma civilização, uma sociedade sem livros, sem jornais, sem bibliotecas, sem teatros. Em termos, concordo com ele: até que houver gente pesquisando, escrevendo, lendo, contando histórias, fazendo teatro, compondo músicas, haverá esperanças de um mundo melhor, civilizado, democrático, solidário. Quando isso cessar, será a estupidez, o egoísmo, os fundamentalismos, a barbárie. A GAZETA - Como falamos acima, este já é seu quarto livro. Como foi a receptividade de seus livros? Silvio Martinello – Não tenho do que reclamar. O primeiro, A Ilha da Consciência, está na segunda edição e praticamente esgotado. Foi tema de um seminário no curso de Letras da Ufac e esta semana, por coincidência, 40 alunos também do curso de Letras me procuraram para fazer um desconto no preço, porque vão fazer outro seminário. O segundo, Corações de Borracha, está esgotado e também foi tema de um seminário na Ufac. Wellington Souza, um formando de Letras da mesma UFac, escolheu os meus livros como tese de seu mestrado. Resumindo: se o grande escritor russo, Lev Tolstoi, não tivesse dito em 1900 que quando escrevia, escrevia para sua aldeia, eu seria o primeiro a dizer que escrevo para a minha aldeia, o Acre, e isso é muito gratificante. Outro dia, passeando no Parque Chico Mendes, dando banana para os macacos, um bom velhinho com seus 70 e tantos me parou e disse que estava lendo Corações de Borracha; havia chegado à página 275. A GAZETA – E como é que o senhor - ou você - escreve? Silvio Martinello - Bom você perguntar, porque faço sempre questão de ser muito claro e honesto quando piso neste terreno alagadiço. Antes de tudo, sou jornalista, escrevo como jornalista, com a técnica jornalística e a visão do jornalista. Não faço, portanto, concorrência com os literatos, poetas nem com historiadores. Porém, a nós, jornalistas, é permitido fazer o que se convencionar chamar de “jornalismo literário”, que os americanos chamam de “new journalism”. Não é ainda o meu caso, um dia chego lá (risos), mas no Brasil temos bons jornalistas escritores como Fernando Morais, Carlos Heitor Cony, Elio Gaspari, Laurentino Gomes. Fernando Sabino e Rubem Braga eram bons jornalistas e foram bons escritores. Só para citar alguns. A GAZETA – E é difícil escrever livro no Acre? Silvio Martinello – É. Este, de modo particular, foi porque como pessoa jurídica não pude mais me valer da Lei de Incentivo do Estado ou do Município. Então, tive que recorrer a alguns bons amigos e explorar a mão-de-obra caseira. A Ivete, sempre ela, encarregou-se da produção, fotografia. A Maíra, jornalista e minha primogênita, fez a apresentação. Larissa, publicitária, cuidou da arte com o Dim e da divulgação. Paula, também jornalista, posou para a capa. Tiago, jornalista, ajudou na pesquisa e fez a revisão. Sara, advogada, embora more longe, está a postos para resolver qualquer encrenca. E as netas Ana Clara, Amanda e Júlia também posaram para capa sem cobrar cachê |
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Silvio Martinello lança seu novo livro ‘ACRE
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