sexta-feira, 9 de julho de 2010

SÓ FOTOS...

Globo Repórter esteve no ACRE

Edição do dia 09/07/2010
09/07/2010 20h36 - Atualizado em 09/07/2010 20h36

Veja no mapa o local onde a equipe do Globo Repórter esteve

O repórter Francisco José e a equipe do programa viajou pela Amazônia selvagem e foi ao extremo do Brasil.

O Globo Repórter desta sexta-feira (9) foi até o extremo do Brasil, viajou pela Amazônia selvagem, em busca dos segredos da mais cobiçada floresta do mundo, em uma região com 700 hectares onde existem mais de 400 espécies de aves, 300 tipos de plantas. Um local onde vivem menos de 100 brasileiros, isolados no meio da mata.

Dr. Raiz no Acre


Edição do dia 09/07/2010
09/07/2010 23h02 - Atualizado em 09/07/2010 23h02

Jovem consegue engravidar com ajuda do Dr. Raiz no Acre

Jacicléia procurou o Doutor Raiz depois de dois anos tentando engravidar. Um mês depois de tomar a garrafada do comerciante, o teste deu positivo. Conheça também a mulher que foi ao médico pela primeira vez aos 66 anos.

A grande floresta dos seringais e seu maior protetor: Chico Mendes é uma lenda na Amazônia. Quantas gerações aprenderam com ele a usar as riquezas naturais da mata virgem?
A dona de casa Cecília Texeira do Nascimento tem 19 filhos e já perdeu a conta dos netos, todos nascidos de parto normal no seringal. “Foram criados só com os remédios da mata mesmo, só de planta, chá, cozimento, xarope feito pela gente”, diz a senhora.

Ela afirma que não deixa o seringal por nada. “Só quando eu morrer. Quando eu morrer, o jeito é deixar, porque não posso ficar”, declara a dona de casa.

Aos 82 anos, Cecília é capaz de contar nos dedos quantas vezes precisou ir ao médico. “Quando eu fui ao médico me consultar pela primeira vez, morando nos seringais, eu tinha 66 anos. O doutor me perguntou: ‘dona Cecília, quantas vezes a senhora foi para o hospital?’ Eu disse: ‘doutor, essa é a primeira vez’. Ele disse: ‘mentira’”, conta a senhora.
Hoje, a mata e a cidade estão cada vez mais próximas, trocando experiências. As ervas medicinais, extraídas da floresta, atravessam as pontes sobre o Rio Acre e chegam à capital Rio Branco. Muita gente está preferindo tratar doenças e problemas de saúde com produtos naturais. No mercado velho, nós vamos encontrar o Dr. Raiz.
Há 22 anos ele trabalha no local. “Muitas vezes, uma planta pode até não curar um mal, mas ela vai amenizar, ela vai auxiliar a medicina a fazer aquele trabalho”, aposta.
Jacicléia procurou o Doutor Raiz depois de dois anos tentando engravidar. Um mês depois de tomar a garrafada do comerciante, o teste deu positivo. Raíssa já está com quase 2 anos.
Tem garrafada pra tudo. “O óleo de andiroba serve para câimbra. O leite natural de mururé é para artrite, artrose, reumatismo. O composto natural de sangue de dragão, com mel de abelha, é para as pessoas que sofrem de gastrite, ameba, ácido úrico, gota, hemorróidas, fistulas. Tem o vinho natural do jatobá que eu utilizo praticamente em todas as garrafadas”, explica o Dr. Raiz.

Uma viagem ao Acre selvagem

Edição do dia 09/07/2010
09/07/2010 19h59 - Atualizado em 09/07/2010 20h20

Uma viagem ao Acre selvagem

Repórter conta os bastidores das filmagens no Acre, no meio da Floresta Amazônica.

Francisco José
Francisco José revela alguns detalhes da gravação no interior
 da Floresta AmazônicaRepórter revela detalhes das gravações na Amazônia
Oito dias navegando em canoas, dormindo ao relento, enfrentando os obstáculos deixados pela última enchente, sendo perseguidos pelos piuns e carapanãs, os mosquitos que nos acompanham dia e noite. Subimos os rios Purus e Chandless, para chegar aos últimos habitantes da fronteira oeste brasileira, uma visita ao povo que vive isolado na Floresta Amazônica, no Acre selvagem.
Veja os bastidores das filmagens
Partimos da cidade de Manuel Urbano, na margem do Purus, em duas voadeiras. Um tipo de canoa com motor de popa, muito usado nos rios do norte. Tonéis de combustível ocuparam quase a metade das canoas. Na outra parte do barco, cobertos por lona, estavam a nossa bagagem, o material para acampar, os alimentos e o equipamento para gravações de imagens. No espaço que restou, três pessoas em cada canoa.
Seguimos em uma velocidade de 30 km/h. Mas, logo depois da partida, tivemos que reduzir o ritmo. Verdadeiras armadilhas no meio do rio. Árvores imensas foram arrastadas na cheia do início do ano. E os troncos submersos ameaçam a navegação. Passamos por barcos que estavam encalhados há três dias. Mas fomos em frente, vencendo os obstáculos com dois pilotos experientes: Ed Carlos e Afonso.
Logo no primeiro dia de viagem, encontramos uma sucuriju caçando, na beira do Rio Purus. Uma cobra grande. Ela estava com a metade do corpo fora da água, procurando roedores nos buracos do barranco do rio. Paramos as voadeiras ao lado dela. O cinegrafista San Costa gravou cinco minutos de imagens da serpente. Depois, ela veio na direção das voadeiras, olhou para a câmera e mergulhou para o fundo do rio.
Ao longo da viagem, fomos encontrando canoas com cachorros e caçadores. Os moradores da região são matadores por necessidade e devoção. Matam onças, veados, pacas, jacarés, macacos. Eles comem esses bichos. Contratamos seu Jerônimo, que imita os bichos para atraí-los. Foi nosso guia pela floresta, que ele conhece tão bem.
Chegamos à casa de seu Milton, o último morador da nossa fronteira oeste. Ele vive com a mulher, em uma casinha coberta de palhas, na beira do rio, a cinco dias de viagem em canoa, até a cidade mais próxima. Passa meses sem se deslocar até Manuel Urbano, vivendo exclusivamente da caça, dos vegetais que cultiva e da criação de porcos e galinhas.
Nesse trecho da viagem pelo Acre selvagem, tivemos a companhia do biólogo Jesus Rodrigues, chefe do Parque Estadual Chandless, que tem 695 mil hectares. E nessa imensidão de floresta, vivem apenas 92 pessoas, nas margens do rio. Ele conseguiu impedir o contrabando de animais e a venda do produto da caça, que só é permitida como alimento, para as famílias que vivem isoladas. Com o tempo, ele espera indenizar os moradores, para que eles deixem a área do parque, acabando em definitivo com a caça.
Na segunda etapa da viagem, fomos ao Seringal Cachoeira, onde vive a família do lendário Chico Mendes. Entramos na selva com Nilson Mendes, primo do Chico. Ele conhece as ervas, cascas de árvores e raízes, que podem ser usadas para curar doenças. Nilson é deficiente auditivo, mas consegue imitar e atrair as aves, repetindo seus cantos. A mãe dele, dona Cecília, revela como teve 18 filhos, de parto normal, sem sair do seringal. Curando as doenças com os remédios da floresta.
A editora Cláudia Guimarães fez uma ponte, do seringal no Acre, até as florestas da Nova Zelândia, onde gravamos com um conhecedor de ervas medicinais. Ele nos acompanha pela mata, mostrando que os produtos naturais são suficientes para curar as doenças mais graves.
Estivemos também com um especialista em mel de abelha. Ele tem mais de 90 anos e diz que deve ao mel de uma abelha neozelandesa, a sua vida saudável.

Em Rio Branco, no Acre, encontramos o Dr. Raiz, uma espécie de curandeiro com raízes, garrafadas e substâncias retiradas da Floresta Amazônica. Ele disse que tem o remédio natural que faz as mulheres engravidarem. Não acreditei! E ele me deu o endereço de várias mulheres que recorreram à garrafada para alcançar a fertilidade. Constatamos casos impressionantes. Uma das mulheres estava há dois anos tentando engravidar e não conseguia. Recorreu ao Dr. Raiz e, um mês depois de tomar o remédio à base de plantas, estava grávida. Ela nos apresentou à filhinha dela, que já está com quase dois anos.

globo reporter Acre

Edição do dia 09/07/2010
09/07/2010 23h15 - Atualizado em 09/07/2010 23h24

Crianças da cidade têm aula dentro da floresta em Rio Branco (AC)

Na floresta dentro da Universidade Federal do Acre, elas têm uma aula diferente. Segundo professora, é uma experiência para os alunos conviverem mais intimamente com a mata.

Rio Branco, capital do Acre, é uma cidade cercada de floresta por todos os lados. Não é preciso viajar muito para entrar em um mundo à parte, um mundo de árvores gigantes, animais selvagens e muitas histórias para descobrir.
Íntimo da floresta, Nilson Mendes já foi seringueiro e mostra a importância desse tesouro. “Nós estamos dentro de um seringal. No local, tem também as árvores de onde eles extraem o látex, que até hoje é explorado para a borracha, mas é um autêntico laboratório, ou seja, uma farmácia para eles que vivem aqui e não têm acesso a uma cidade perto para comprar um remédio e fazem a medicação baseados nas folhas, nas raízes e cascas de árvores”, afirma o repórter Francisco José.
“A gente utiliza mais de 200 espécies de alternativas dentro desse potencial florestal, de conhecimentos já de muitas pessoas que conhecem a medicina natural”, aponta o ex-seringueiro.
Nada escapa aos olhos do Nilson. “Isso aqui é uma carapanauba amarela, muito usada para problemas de coluna, para curar hepatite. As pessoas, quando estão com problema de fígado, gostam de utilizar”, explica o ex-seringueiro.
Ele também mostra o carrapicho agulha e a unha de porca. “No meio da floresta, é cheio de coisas que a gente passa por cima e às vezes não dá fé que tem tanto valor”, declara Nilson.
Agora, é a vez das crianças da cidade. Nessa floresta, dentro da Universidade Federal do Acre, elas têm uma aula diferente.
“Vocês estão vendo que essa árvore cresceu segurando em outra palmeira. Ela agarrou na outra palmeira. Sabe por que essa árvore é importante para nós? Porque tem um ponto turístico da nossa cidade que é chamado calçadão da gameleira. Gameleira é essa árvore que está abraçando na outra”, explica o professor Pedro Ferraz. “Ela vai crescendo e vai matar a outra, porque ela está abraçando a outra e está sufocando”.
“É uma aula de educação ambiental, onde as crianças da nossa cidade podem ter experiência de conviver mais intimamente com a floresta. Essa é a maior dentro da área urbana de Rio Branco”, aponta a professora universitária Andrea Alexandre.
Na realidade, não é uma área cercada. É uma área natural, uma amostra do que existe ao longo do estado.
Grande também é a escola. Tem 100 hectares de mata nativa. “Aqui eles aprendem a interação da natureza, a respeitar a natureza, fazer silêncio para observar, para acompanhar. Como eles estão fazendo uma pesquisa sobre meio ambiente, eles estão observando o ambiente ao redor deles e discutindo a interação do meio ambiente com a natureza”, diz o professor Pedro Ferraz.
As novas descobertas atiçam e despertam a curiosidade das crianças. Se a ideia é ensinar e preservar a natureza, quando o assunto é reciclagem, os alunos têm um espanto ao saber que
uma garrafa de plástico demora quase 100 anos para se decompor.
Eles também aprendem como preservar a castanheira que é uma árvore típica da região e que também é uma árvore que proporciona renda para as pessoas que vivem dela.
“Eu gostei mais de uma árvore que tem muitos buraquinhos que tem muitas formigas e, ao redor dessa árvore, não nasce mais nenhuma planta, porque as formigas protegem essa árvore, para não nascer nenhuma. E essas formigas são muito mais venenosas do que as formigas de fogo”, diz Alícia, de 10 anos. “Eu gostei da história da gameleira, porque é muito interessante”, afirma outra menina.
Histórias que começam assim, certamente, terão um final feliz. “Pensando nisso, a gente precisa mesmo é educar. A educação ainda é a saída”, declara o professor Pedro Ferraz.
 
Edição do dia 09/07/2010
09/07/2010 22h23 - Atualizado em 09/07/2010 22h52

Repórter encontra últimos habitantes da fronteira oeste do Brasil

Nos 700 hectares do Parque Estadual de Chandless, no Acre, vivem apenas 98 pessoas, completamente isoladas. E nós partimos em direção aos extremos do Brasil.

Francisco José
O ex-seringueiro Nilson Mendes conhece o canto dos pássaros. É um homem amazônico na imensa floresta. “Eu tenho 30 anos de observação da natureza. Estudo as plantas, fauna, flora. Mas eu digo a você: é uma questão de conviver com o animal. Porque muita gente vê, mas não consegue conviver. Eu consegui sobreviver dentro da floresta, convivendo com os animais”, diz.
A Floresta Amazônica é o maior celeiro em biodiversidade do planeta, mas também é um grande desafio para a ciência. O tesouro que existe nela ainda é desconhecido, e só os caboclos e os índios que vivem na selva conseguiram partir na frente. De uma folha, de uma casca de árvore, de uma raiz, eles conseguem extrair remédios que curam doenças graves. É a Amazônia Selvagem que queremos conhecer, com seus rios, árvores e raízes, sua imensa teia cheia de vida.
Estamos no Parque Estadual de Chandless, no Acre, com 700 hectares e segredos que ainda estão para ser descobertos. Nessa região, vivem mais de 400 espécies de aves, 300 espécies de plantas e quase 200 tipos de peixes, anfíbios, répteis e apenas 98 pessoas, completamente isoladas.
“As pessoas que moram dentro dessa unidade já estavam aqui quando parque foi criado. Por isso, elas fazem uso dos recursos naturais que existem nessa região. Então, eles caçam, eles pescam, eles usam árvores para fazer canoa para se locomoverem. Então, eles fazem uso desses recursos de forma natural para sua sobrevivência”, afirma o biólogo Jesus Rodrigues, do Parque Estadual Chandless.
Nós vamos partir em direção aos extremos do Brasil. Jesus Rodrigues será o nosso guia. Queremos chegar à terra dos brasileiros que nunca fizeram contato, índios que só foram fotografados uma vez e do alto. Nosso equipamento para essa aventura não poderia ser mais simples. Vamos seguir a viagem em duas voadeiras, barcos pequenos que já estão lotados de combustível, equipamentos e a nossa bagagem.
Essas canoas serão as nossas casas pelos próximos oito dias. A grande cheia do início do passado deixou sua marca na calha do rio. E o que estava escondido sob as águas começa a aparecer. São muitas armadilhas no nosso caminho. Foi preciso trocar a hélice de um dos nossos barcos, após nos enroscarmos em um emaranhado de galhos.
E seguimos viagem, com os olhos atentos. Em um barranco do Rio Purus, flagramos uma sucuri, com metade do corpo para fora da água. Ela está caçando, procurando roedores nos buracos da beira do rio. Deve ter uns sete metros de comprimento e logo percebe nossa presença. Soberana, ela mergulha lentamente para o fundo do rio.
Nossas voadeiras vão de um lado a outro do rio, procurando o canal para passar. Um cargueiro típico da região estava encalhado há dois dias. Com muito esforço dos tripulantes, ele consegue sair. Nesta época do ano, todos sabem que vão encalhar dezenas de vezes, ao longo da viagem. É assim para buscar frutas e pescar. Mas todos sabem também que o rio é a única saída. Na região, não existem estradas.
Nós vamos deixar o Rio Purus e entrar no Rio Chandless. Vamos pegar a parte mais difícil da viagem. E uma canoa vai ser incorporada à nossa frota. Agora, são duas voadeiras e uma canoa com motor especial, o que vai facilitar a nossa entrada.
Do alto, o Rio Chandless mais parece uma serpente dando voltas pela selva. Em época de cheia, o rio invade a selva e causa destruição. Mas falta muito pra água voltar a subir.
Por enquanto, os donos do pedaço nos observam lá de cima: o macaco guariba. E o chefe do bando, tranquilo, está no topo da árvore, enquanto a chuva não vem.
Na região, o tempo é mesmo diferente. A chuva chega sem avisar e vem forte. Encontramos uma casa e decidimos buscar abrigo. Quando chegamos, a dona de casa Maria de Fátima Nunes Pacaya estava cozinhando. Ela conta que estava preparando o chapo. “É o mingau que a gente faz da banana. Bota no fogo é, depois, a gente bate”, explica. O liquidificador é movido à manivela, já que não há energia elétrica no local.
“Eu como da minha lavoura, o que eu planto, o que eu tenho. É a banana que a gente faz, o roçado da gente. A gente planta e a gente tem. A gente não compra como na cidade”, declara Fátima.
A criação de porcos e galinhas fica solta, embaixo da casa. Joelma, a filha de 16 anos, ajuda o pai, Jerônimo, com o gado. E, assim, as crianças vão aprendendo a viver nessa beira de rio. São raros habitantes desse paraíso amazônico, um lugar onde as pessoas chegam a se esquecer da própria idade.
Denilson ainda estava lá fora, quando a chuva começou. Ele tem só 8 anos de idade e se pegar uma gripe? “Se der febre, a gente faz um chá e dá um suador. Enrola ele todo, dos pés à cabeça. Essa pessoa vai suar. Quando soa, a gente vai descobrindo devagarzinho, para o vento. Vai esfriando o corpo. Também quando já esfria o corpo, a febre não volta mais. A gente cura aqui é assim”, explica a dona de casa.
Alimentos e remédios: Fátima vive cercada de recursos naturais poderosíssimos. Denilson revela que não tem medo de andar sozinho na canoa nesse rio e que já acostumou com os bichos. “Aqui, eu nasci e me criei, já estou acostumado e não tenho medo. Só de onça que eu tenho medo”, diz o menino.
O mateiro Jerônimo Marques, marido de Fátima, está fazendo uma canoa nova. “Gastei uns 12 ou 13 dias de serviço mais ou menos aqui. Mas vou gastar mais uns 10 dias ainda de serviço, para terminar”, declara.
É como se estivesse montando um carro zero, no machado. “Cabe muita gente. Vai ficar bem possante”, aposta Jerônimo.
É a maior canoa que ele já fez. Vai ter capacidade para carregar até duas toneladas. Jerônimo é mateiro experiente e vai nos levar aos extremos da floresta. No ponto mais distante do parque, fica a casa dos pais de Fátima, os últimos habitantes do Brasil.
Ele vai nos levar, porque ele é um dos poucos que conhece essa região para onde nós vamos. É o fim do rio. “Aqui pode se considerar o fim do mundo, porque é muito distante da cidade”, diz Jerônimo.
Mas nós já nos acostumamos com os dias de viagem pelo rio. E a chuva do dia anterior fez subir o nível das águas. Assim, conseguimos chegar até onde começa uma trilha. Jerônimo vai na frente. Os galhos das árvores gigantes tampam a luz do sol. Lá em cima, um casal de araras vermelhas. Nessa espécie, macho e fêmea são fiéis, e o casamento é para sempre.
Cruzamos a mata, e, bem no meio do caminho, encontramos uma serpente venenosa, pronta para o bote. Ela está parcialmente encoberta pelas folhas. “Se a gente passa sem ver, sem perceber, corre o risco de ela picar. E nós estamos a cinco dias de distância de uma cidade onde provavelmente teria o soro antiofídico. Só nos resta tirá-la da trilha. E é o que vamos fazer".
Por essas bandas é assim: para fazer uma simples visita, é preciso viajar dias e dias. Depois de tanto esforço, quase perdemos a viagem.
Quando chegamos, Milton e Marta, pais de Fátima, estavam de saída, já dentro da voadeira, de partida para a cidade.
A última casa brasileira, hoje, está vazia. Da casa deles em adiante não mora mais ninguém. “Não mora mais um pé de pessoa. É só selva e bicho”, diz Milton Leite, morador do Parque Estadual Chandless.
Milton e Marta são os últimos moradores da fronteira oeste do Brasil. “Essa área aqui é muito sadia. Parece que Deus abençoou esse rio. A gente só pega alguma gripinha, quando a gente vai lá em Manoel Urbano, lá na cidade”, afirma o morador.
“Eu pretendo sair daqui um dia, porque, se meu marido sai, eu tenho que acompanhar ele. Ele, sozinho, tampouco não vai sair. Eu tenho que acompanhar ele, de qualquer maneira. Sou mãe dos filhos dele. Eu tenho que seguir ele”, diz a dona de casa Maria Marta Leite.
A dona de casa também revela que é apaixonada pelo marido, que é amor pra vida inteira. “Fui doida por ele e estou até agora. Agora, pior. Ele é pai dos meus filhos e estamos ficando os dois nessa idade. E eu tenho que ficar com ele. Até o dia que Deus me tirar do costado dele”, declara.
E lá vão os dois juntos na canoa, inseparáveis, vão enfrentar cinco dias de viagem até a cidade de Manoel Urbano. Mas nós seguimos na direção contrária. Vamos avançar por essa mata desconhecida e cheia de mistérios. Ao entardecer, temos que procurar uma praia para acampar.
“Parece que estamos chegando ao fim. As árvores caíram e está muito raso. Não vai dar para continuar”, revela o repórter Francisco José.
O Chandless Chá é o último igarapé de um rio que nasce na Amazônia peruana. Nós vamos acampar no local. Está cheio de rastro de animais na areia, de capivara e anta. “Exatamente o que a gente tinha previsto. Vamos passar a noite aqui. Mais uma noite junto com a natureza”, afirma Jerônimo.
Logo montamos acampamento. A fogueira ajuda a aquecer nossa comida: "só em parar um pouquinho, nesse fim de tarde, perto do rio, os mosquitos avançam. Onde está descoberto, o carapanã e o pium pegam", declara o repórter.
Nossas redes ficam ao relento. Só resta rezar para não chover à noite. "A partir daqui, só temos rios, florestas e, se nós chegarmos próximo da área de fronteira com o Peru, nós encontraremos os vestígios de índios isolados”, explica o biólogo Jesus Rodrigues.
Mas não foi desta vez que conseguimos chegar a esse povo, guardião de tanta sabedoria. No dia seguinte, iniciamos a viagem de volta. O igarapé se fechou para nós. Deixamos para trás essa Amazônia que só os índios isolados conhecem, com a certeza que um dia voltaremos. O Brasil ainda vai descobrir os mistérios dessa selva. Longe desse local, no outro lado da terra, pudemos avaliar quantos benefícios uma floresta intocada pode oferecer ao seu país.
 

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