domingo, 9 de janeiro de 2011

Varadouro 8 e a questão ambiental*

Varadouro e a questão ambiental*
Pedro Vicente Costa Sobrinho
Para o jornal Varadouro, a questão ambiental sempre esteve intimamente relacionada à luta pela terra no Acre. Ao definir sua linha editorial pela defesa do índio, do posseiro e do seringueiro, o jornal assumiu a luta pela reforma agrária para esses personagens, ou seja: para o Índio – a demarcação de suas reservas, garantindo-lhes o espaço adequado onde pudesse assegurar sua sobrevivência, de conformidade com os valores culturais de cada nação; para o seringueiro – uma área que regularizasse sua posse, mantendo a floresta com suas estradas de seringa e árvores castanheiras, garantindo sua existência de pequeno agricultor e, sobretudo de extrator; para o posseiro ou colono – lotes de terra de acordo com o módulo definido para a Amazônia, além dos projetos de assentamentos dirigidos de iniciativa do INCRA e do governo estadual.
A grande propriedade deveria sofrer restrições adequando o tamanho dos projetos agropastorais às condições ambientais. A defesa da floresta amazônica e dos seus recursos naturais sempre foi colocada de modo claro e indiscutível pelos que faziam o jornal, apesar de ainda não terem muita ou quase nenhuma clareza quanta às alternativas de desenvolvimento para a região, que viesse compatibilizar crescimento econômico, melhoria da qualidade de vida e preservação do meio ambiente.
Varadouro motivou, em suas páginas, a discussão sobre a necessidade de se formular esse modelo de desenvolvimento para o Acre. Várias entrevistas foram feitas com economistas, sociólogos, historiadores e outros técnicos sobre o assunto. Do conjunto de técnicos entrevistados: do diretor do INPA (Instituto de Pesquisas da Amazônia) Dr. Warwick Keer; do economista Mário Lima; do pesquisador Amílcar Japiassu e de uma mesa-redonda com técnicos de formação diversa reproduzida nas paginas do jornal.
Varadouro abriu suas páginas para a discussão, contudo, a redação só estava disposta a aceitar e difundir uma alternativa que viesse contemplar os seus atores preferenciais: o Índio, o posseiro, o seringueiro, inseridos numa realidade de convívio harmonioso com o meio ambiente.
Varadouro nº. 1, ano I, maio de 1977 (p.5), publicou matéria discutindo o assunto e assumindo posição. O jornal chamou a atenção para o fato de que o problema da devastação não foi um assunto ainda posto em discussão pelos acreanos, mas já era hora de se preocupar com alguns dados apontados pelo cientista Warwick Keer: 1974, o desmatamento foi inferior a 1%; 1975, 1,8 por cento da área de cobertura florestal, quase o dobro; 1976, 3,5 por cento. Se esse ritmo fosse mantido, em 33 anos todas as reservas florestais do Acre estariam destruídas. O jornal observou que as densas nuvens de fumaça que vinham cobrindo o Acre, nos meses de julho e agosto, indicavam algo nada auspicioso. O jornal até aquele momento, não tinha um bom olhar sobre a questão ecológica por considerar um certo diletantismo ou modismo no trato do assunto, mas a conferência do diretor do INPA, Warwick Keer, foi convincente, principalmente quando disse: “Não devemos permitir que gaúchos, paulistas e outros venham acabar com a floresta da Amazônia. Eles chegam aqui, criam o boi, mandam a carne para a Alemanha e outros paises: o dinheiro fica por lá e o homem da Amazônia fica apenas com o ‘berro do boi’”.
Varadouro fez sua leitura e observou: “Em outras palavras, o cientista condena aqueles que preconizam e defendem uma política de ocupação da Amazônia baseada apenas em projetos agropecuários, na bovinização, e em vista das exportações, sem levar em conta o desenvolvimento harmônico e em proveito da população local”. As medidas apontadas pelo cientista foram reproduzidas no jornal, que agregou: “Todas essas medidas, entretanto, serão inócuas se não houver uma reformulação na política de ocupação da Amazônia. Do contrário, o homem da Amazônia, incluindo o acreano, ficará mesmo apenas com o ‘berro do boi’”. Essa primeira matéria marcou a adesão da equipe do jornal à questão ecológica, que passou então a ser abordada como uma problemática indissociável da questão da terra no Acre.
Varadouro nº. 3, ano I, agosto de 1977 (p.19) publicou nota, na qual destacou idéias expressas pelo cientista Warwick Keer, que, com certeza, foram incorporadas pela equipa de redação: a questão do desmatamento e suas implicações na erosão dos solos Amazônicos; a ocupação por fazendas com limites de 300 hectares, por não se conhecer ainda o impacto ambiental e evitar com isso as grandes destruições.
No Varadouro nº. 4, ano I, setembro de 1977, duas matérias chamaram atenção: a entrevista com o economista Mário Lima e a resenha que foi feita pelo jornal da conferencia do historiador Arthur César Ferreira Reis. Na entrevista (p. 3-4), Mário Lima defendeu um modelo de desenvolvimento que preservasse e promovesse o adensamento da atividade extrativista da borracha, introduzisse o seringal de cultivo e a diversificação da produção agrícola. A reforma agrária foi colocada como indispensável. O jornal pinçou uma posição do entrevistado com relação à pecuária: “a pecuária não é a solução para a economia da região; ecologicamente é uma desgraça, e socialmente, um crime”.
Da conversa com Ferreira Reis (p.14), o jornal selecionou uma declaração contra a ocupação da Amazônia pela pecuária: “A pecuária é uma forma de ocupação. Mas deve ser localizada em regiões onde já existem os chamados campos naturais. Destruir a natureza só para botar o gado, isso eu acho errado. Há espaços imensos que não são florestas; (...) Esses espaços é que devem ser ocupados pela pecuária e não onde há florestas, como está acontecendo indiscriminadamente em quase toda a Amazônia”.
Varadouro nº6, ano I, dezembro de 77 (p.11-14), reservou quatro páginas dessa edição para o tema ambiental. Nesse espaço o jornal publicou a entrevista com o cientista Warwick Keer e um artigo de Clodovis Boff, no qual relata suas observações sobre o seringueiro e o seu cotidiano na floresta. Na entrevista, Dr Keer foi bastante didático, explicando de modo simples os fundamentos da ecologia. Sugeriu que fosse feito levantamento sobre o saber popular e o aproveitamento do conhecimento do Índio sobre a floresta: fauna e flora. O desenvolvimento auto-sustentável, tendo como base o potencial de recursos naturais existentes na região, foi a tese defendida. O relato de Boff procurou flagrar o seringueiro no seu dia-a-dia e revelar a rede de exploração que o cercara por toda a sua história de vida, concluindo que: “O seringueiro não precisa de ajuda, mas de justiça e principalmente de libertação”, pois ele “só é ignorante da cultura do outro, do letrado, do homem da cidade, ele sabe mais do que ninguém o que é importante saber para se virar dentro do seu universo, do seu mundo vital”.
Varadouro nº14, ano II, março de 1979 (p.5-6), publicou matéria com o titulo: “Depois da borracha, do boi... Agora, a madeira (em risco)”. O jornal noticiou sobre a proposta formulada pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), para que se façam contratos de risco para a exploração do potencial madeireiro da Amazônia. Para o Acre ficou reservada na proposta uma área de 6 milhões e 292 mil hectares. O jornal analisou e expôs os danos ecológicos e sociais que o desmatamento motivado pela exploração madeireira iria acarretar à região. Juntando isso aos danos já causados pela pecuária, nada sobraria para os acreanos mais pobres: Índios, posseiros e seringueiros. Varadouro publicou em fundo preto certas palavras de denúncia contra a iniciativa do governo: “Contratos de risco. Uma imoralidade! Sou Contra! Plano sinistro...”, e colheu vários depoimentos de operários, estudantes, intelectuais, presidente da OAB do Acre e do Bispo Dom Moacyr Grechi. Do depoimento do bispo cabe destacar alguns trechos:
Quem vive e trabalha na Amazônia acaba aprendendo, no decorrer dos anos, que é impossível defender o homem sem defender a preservação de seu meio ambiente: suas florestas, seus rios, suas riquezas minerais. A terra e o que ela contém é tudo para o homem da Amazônia, é sua própria vida, particularmente para o Índio, o seringueiro, para o posseiro, para o pequeno agricultor (...) Mais recentemente o plano foi de transformar o Acre e outros estados da Amazônia numa grande fazenda, com serias conseqüências para o homem da região (...). Agora, por último surge o sinistro plano de contratos de risco (...). Se for concretizado é o “golpe mortal” a milhares de Índios e seringueiros... Os cientistas (ecólogos, agrônomos, economistas) e representantes de várias entidades nacionais comprometidas com as causas populares, levantaram suas vozes para protestar e denunciar mais esta farsa.
Os outros depoimentos seguem o mesmo diapasão. No Acre, a denuncia repercutiu amplamente, passando a ser discutida por sindicatos, CEBs, escolas, Universidades etc.

Varadouro nº. 15, ano II, junho de 1979 (p. 17-18), publicou artigo intitulado: “Cuidado acreanos!” O jornal analisa os mapas do projeot RADAM e localiza para os leitores a chamada área 1, passível de contrato de risco. Nessa área havia concentração de madeira de lei como: cedro, peroba, aguano etc., afetando sete grupos indígenas com reservas delimitadas na área: Kaxinauá, Kulina, Kampa, Katuquina, Jaminauá e Maxineri, e os seus projetos de desenvolvimento comunitários. E também alguns milhares de seringueiros, castanheiros e posseiros que resistiram as investidas de grileiros e fazendeiros e se tornaram produtores autônomos de borracha, castanha e lavoura. Nos 6 milhões e 292 mil hectares da área 1, localizavam-se várias cabeceiras de rios importantes para o regime de águas do Acre: Vales do Iaco, Macauã, Alto Purus, Envira e Acre. A catástrofe ecológica advinda do desmatamento dessa área era mais do que evidente, só não sendo percebida pela SUDAM e seus ideólogos: Clara Pandolfo e F. Schimthusen.
O jornal publicou um documento do Movimento de Defesa do Meio Ambiente do Acre, com o titulo: “Carta aberta em defesa do Acre e da Amazônia”. O documento foi redigido após 40 dias de debates, conferências, palestras, mesas redondas e até as apresentações teatrais em escolas, centros comunitários, universidade etc., que mobilizaram alguns milhares de pessoas para o problema que era de crucial importância para a população acreana. A carta discorria sobre a crueldade contra a natureza e as populações da floresta, causada pela recente pecuarização do Acre. Dizia o documento: “Aliás, a leviandade dos especuladores e, sobretudo um principio de resistência de classes trabalhadoras, organizada em seus sindicatos, decretaram o fracasso do modelo agropecuário”. Agora era um novo milagre: “Novamente os porta-vozes do governo e dos trustes internacionais se esforçam em apontar as ‘benesses’ do novo projeto. Entretanto, quanto mais explicam, mais se complicam com a opinião pública”.
Varadouro nº16, ano II, outubro de 1979 (p.11), publicou artigo bastante especializado analisando o material produzido pelo grupo de trabalho encarregado de traçar linhas mestras para uma política florestal. O artigo incorporou ao seu texto as discussões sobre o assunto ocorridas nas reuniões anual da SBPC. Para o Acre, permaneceu a proposta de uma área de floresta nacional de rendimento, entre os municípios de Feijó e Cruzeiro do Sul. O artigo adverte que a ação dos madeireiros não ficou definida como restrita a tais áreas de floresta, podendo atuar em outras sem os incentivos fiscais. Concluiu o jornal: “O certo é que agora, depois do boi, será a vez das motosseras”.
Varadouro nº19, ano II, maio de 1980 (p.22-27), publicou o documento do Movimento de Defesa do Meio ambiente do Acre, analisando o chamado pacote florestal. O movimento criticava e denunciava as varias alterações perpetradas contra o relatório apresentado pelos grupos de trabalho, quase que desfigurando o documento inicial. O projeto a ser enviado ao congresso Nacional era uma versão dos Ministérios da Agricultura e Interior. Para o Acre, a área considerada Floresta Nacional foi reduzida para 2 milhões e 190 mil hectares, mesmo assim cobrindo um espaço onde residiam milhares de Índios, seringueiros e posseiros. O pacote florestal supostamente assegurava a continuidade das atividades dos residentes ou a indenização com a prova de legitima propriedade. Concluiu o documento: “Como se vê, o pacote Florestal do Governo é duvidoso, a não ser quanto a sua intenção de aprofundar e legitimar a depredação dos recursos naturais e a exploração dos trabalhadores da região, em beneficio exclusivo do capital estrangeiro e dos grupos a ele associados. Ainda nessa edição, foi noticiada a realização de Missa Ecológica celebrada pelo bispo Dom Moacyr Grechi, que marcou a abertura da Campanha Nacional em Defesa da Amazônia. O Movimento de Defesa do Meio Ambiente do Acre distribuiu um documento denunciando as novas políticas do governo militar para a Amazônia, afetando em particular o Acre.
Varadouro nº. 22, ano IV, junho/julho de 1981 (p. 5-6), publicou matéria chamando a atenção para o consumo exagerado de enlatados no Acre. A preocupação central do repórter foi com a divulgação do movimento naturalista, uma das variantes do movimento ecológico. No entanto, uma denuncia foi feita: o uso indiscriminado de herbicidas Tordon, produto derivado do malsinado “agente laranja”. Esse produto vinha sendo largamente utilizado para matar ervas daninhas nos campos para pasto. As conseqüências do uso desse veneno foram verificadas anos depois no próprio rebanho bovino. A introdução do naturalismo dentro da linha editorial do jornal de defesa do meio ambiente, provavelmente, foi conseqüência da mudança na equipe de redação, pois novos colaboradores foram nela integrados.
* Trecho do livro “Comunicação Alternativa e movimentos sociais na Amazônia Ocidental”, tese de doutorado de Pedro Vicente apresentada à USP, em São Paulo, e publicada pela Editora Universitária/UFPB, 2001.

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