Varadouro 9: alguma contradição?
Elson Martins
Já imaginou o Varadouro, integrante da imprensa alternativa que combatia, entre outros males nacionais, a ditadura militar instituída em 1964, de repente aparecer apoiando um governador nomeado por essa ditadura? Pois a edição número 9, que circulou em maio de 1978, causou essa impressão e gerou discussão ideológica na redação antes de ir para as ruas. A matéria suspeita, publicada na página 3, recebeu o título: “O exemplo da sucessão e uma promessa que pode ser boa”, e saiu acompanhada de uma entrevista com o governador “biônico” Joaquim Macedo, nomeado pelo Presidente Ernesto Geisel para o período 1979/1981.
Já naquela época, o Acre atraia pesquisadores e estudantes do sul do país curiosos em conhecer e entender a forte mobilização popular de seringueiros, ribeirinhos e índios contra o desmatamento da floresta. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) tinha criado oito sindicatos na região, com cerca de 30 mil associados, e a luta desse povo não tinha similar no país, até porque o regime militar forçara a desmobilização do sindicalismo e das forças políticas de contestação ao governo. Como porta-voz desses trabalhadores da floresta, o Varadouro tinha que explicar, no mínimo, porque admitia um governo “nomeado”, quando o correto era exigir sua escolha em eleições diretas.
Durante a reunião na redação veio a explicação nestes termos: “aqui é aqui”. Traduzindo: O ex-gerente de seringal Joaquim Macedo (falecido em 2006) era acreano de Brasiléia, um homem simples, com ficha política limpa. Filiado à Arena, partido criado para dar sustentação aos militares no poder, estava sendo indicado pelo governador Geraldo Mesquita (1974/1978), do mesmo partido, mas que fez clara opção pelo extrativismo opondo-se a transformação do Acre em pastos para o boi. Embora fiel ao governo federal do amigo e protetor Geisel, Mesquita tomou partido dos seringueiros batendo de frente com os fazendeiros e especuladores de terras.
Joaquim Macedo, portanto, poderia dar continuidade ao governo de Mesquita, bem ou mal, com raízes fincadas no Acre, ao contrário do primeiro governador nomeado pela ditadura, Francisco Wanderley Dantas, que escancarou as portas do Acre para a boiada entrar. Além disso, Macedo tinha como assessor muito próximo, uma espécie de anjo da guarda, o professor Elias Mansour, acusado de ser comunista pelo então Ministro do Exército, general Sylvio Frota. E quais eram as outras opções que constavam de uma lista levada ao Presidente em Brasília?
A lista chegou a contar com nove nomes referendados na capital federal. Entre eles, o funcionário da Eletroacre, Pedro Felix, os deputados estaduais Carlos Simão e Wildy Vianna, e o coronel da reserva do Exército, Natalino da Silveira Brito, acreano de Xapuri que, por ser militar, se sentia ungido. Morando no Rio de Janeiro, o coronel passou a visitar Rio Branco de jatinho especial para anunciar a construção da Hidrelétrica de Ituxy, na região de Boca do Acre.
O texto da Varadouro diz sobre o candidato: “Ainda nem se falava em sucessão, federal ou estadual, em 1976, mas Natalino Brito já era convidado para almoços e jantares especiais em residências da capital que paparicavam o filho arredio: “Ele será governador, tem toda a pinta; Eu acho que o Mesquita nem vai terminar o mandato, e Natalino entra já como interventor; ´É militar, não tem vinculo nenhum com a política local”. O jornal fez um perfil nada favorável de cada candidato, exceto Macedo, e os definiu como “melancólicas figuras adeptas da intervenção e da deduragem”.
A edição número 9 resultou muito expressiva. Começa com a seção de cartas, que abre com um texto de Vladimir Pomar, preso político que leu o jornal no Presídio Romão Gomes, mostrado a ele pelo também preso Marco Antônio Coelho. Pomar se diz surpreso com a edição número 7 e declara: “O estilo reportagem-documentário que vocês imprimiram ao jornal confere a ele uma vivacidade que muitos do Sul perderam”.
Também merecem destaque as matérias “Índio sabe falar, sim!” (páginas 5, 6 e 7), “Um boi no trono de Galvez (páginas 9,10, 11 e 12) e “Sem terra, sem estradas...” (páginas 15, 16 e 17). Bom proveito!
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