domingo, 9 de janeiro de 2011

varadouro 4º

Cem anos de andanças
Por Elson Martins
Em setembro de 1977 o economista Mário Lima, acreano de Brasiléia, não tinha feito ainda mestrado em Fortaleza (CE), nem doutorado na Unicamp (em Campinas-SP), talvez por isso, todo mundo entendia sem dificuldades o que ele falava sobre economia do Acre e sobre a ameaça de substituição da borracha pela pecuária nos seringais.
A entrevista que ele deu ao Varadouro número 4, disponibilizado agora em PDF neste site, contém uma boa análise da situação do estado naqueles tempos, assim como as idéias originais que defendeu para a reativação dos seringais permanecem atuais. Algumas delas, como a criação de capivara nos sítios e colônias, quase provocaram infarto no advogado e pecuarista João Tezza à época. E hoje só não convencem aos “tecnoburocratas” de Brasília que planejam o desenvolvimento da Amazônia à distância.
A entrevista vale uma releitura da edição do Varadouro, 30 anos depois, cuja matéria de capa e assunto principal foi o centenário de Migração Nordestina para o Acre (1877 – 1977), festejado num simpósio que o Governador Geraldo Mesquita promoveu com apoio da Universidade Federal do Acre e outras instituições. Participaram do evento os ex-governadores do Estado e outras importantes figuras amazônicas, entre elas o escritor Márcio Souza e o historiador Arthur César Ferreira Reis, abordados pela turma do jornal para enriquecer a discussão sobre a “bovinização” do Acre e outras pastadas que os acreanos sofrem desde meados do século passado.
O encontro foi um sucesso, e enquanto o desembargador Jorge Araken da Silva gritava, com orgulho e orgasmo, a palavra “simposiastas” se referindo aos ilustres convidados no auditório da UFAC, no centro da cidade, o jornal saiu às ruas com sua habitual irreverência: e foi colher testemunhos do seu Raimundo e seu Euclides, descendentes dos heróis de alpagartas que trocaram a seca do nordeste pelo dilúvio da Amazônia construindo uma história incomum nestas cabeceiras de rios.
O que resultou foi mais um belo trabalho do Varadouro, disponível a partir da página 9 da edição. Felizmente, desta vez, os problemas de impressão foram postergados. O jornal bateu um recorde imprimindo duas edições na mesma gráfica, em São Paulo, e a dor de cabeça ficou por conta apenas dos truncamentos e da diagramação com matérias compridas e mal balanceadas.
Pudera! Havia um voluntário acompanhando o jornal nas oficinas paulistas, mas ele não sabia nem pra que rumo ficava o Acre. Além disso, o pacote que recebeu com as matérias e um esboço de diagramação não era nenhum exemplo de profissionalismo. Observem que os anúncios foram desenhados (?) com caneta bic e quase nenhuma criatividade: em parte por falta de tempo e de um departamento de criação, mas também pela visão de conjunto de equipe que produzia o jornal e considerava esses detalhes irrelevantes.
Mesmo assim a qualidade do jornal, como se comprovou historicamente, conseguiu transpor as dificuldades operacionais e se impor por outros atributos. O principal era que manteve uma linha editorial corajosa, honesta e, sobretudo solidária. Com quê? Com um Acre acreano, épico, ecológico, humano e socialmente justo.
Monopólios do gás, da carne, dos hortifrutigranjeiros.... Pra que o Varadouro foi mexer nisso! Após a circulação do jornal, o Abrahim Farhat saiu atrás dos editores para advertir que o empresário Wilson Barbosa, tratado na matéria publicada a partir da página 6, queria fazer nossa barba com um terçado cego. Tratado por nós como “poderoso açougueiro”, estava querendo pendurar o pessoal num de seus açougues.
É claro que o Abrahim ajudou a contornar a situação, até porque, Wilson Barbosa, de origem boliviana, tinha sangue esquerdista correndo nas veias e admirava o trabalho do Varadouro. Essa história, que pode ser narrada mais na frente, tem muito a ver com o desenvolvimento de uma imprensa de qualidade no Acre de alguns anos atrás, financiada pelo “poderoso Wilson Barbosa”.
A seção de cartas, que nunca prosperou em outros jornais, antigos ou recentes, transbordava no Varadouro, mostrando o quanto o país se sentia sufocado com o regime militar. Um nanico dos confins da Amazônia lavava a alma de um leitor de Panambi, no Rio grande do Sul, ou Hidrolândia, em Goiás, e os pedidos de assinatura (com cheques antecipados enviados pelo correio) também não paravam de chegar. No meio das cartas encontravam-se as primeiras colaborações do Macunaíma Terry Aquino, aquele que colocou a luta em defesa dos índios da região na medida certa, com conhecimento e engajamento.
E pra encerrar, mais uma irreverência do Varadouro: a matéria sobre a rede Amazônica de Televisão (pagina 5). Quem viveu aquela época sabe do que o jornal está falando. E deve ter visto, em cores, um culhão apresentado em horário nobre como furo de reportagem.

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