domingo, 17 de março de 2013

FILME REVELA COMO EUA DERAM O GOLPE DE 1964


Publicado em 15/03/2013

FILME REVELA COMO EUA
DERAM O GOLPE DE 1964

Filme de Tavares ajuda a desacreditar Historialismo (ler em tempo) que atribui apenas a brasileiros a reacao ao Governo trabalhista legitimamente eleito



O presidente Lyndon Johnson (D) deu aval para o embaixador Gordon (E) desestabilizar Goulart e autorizou envio de navios ao Brasil



Saiu no IG reportagem de Raphael Gomide:

COM ARQUIVOS E ÁUDIOS DA CASA BRANCA, FILME REVELA APOIO DOS EUA AO GOLPE DE 64

“O Dia que Durou 21 anos” revela conversas de Kennedy e Lyndon Johnson sobre o Brasil. Embaixador Lincoln Gordon coordenou com governo e CIA ações de desestabilização de Goulart e o envio de força-tarefa naval para ajudar conspiradores

O filme “O Dia que Durou 21 anos”, de Camilo Tavares, revela como os Estados Unidos colaboraram para o golpe militar de 1964, que derrubou o presidente brasileiro João Goulart, com base em documentos sigilosos de arquivos norte-americanos e áudios originais da Casa Branca. O documentário, que será lançado dia 29, apresenta áudios de conversas dos presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson com assessores sobre o Brasil e mostra como os vizinhos do norte apoiaram os conspiradores, com ações de desestabilização e até militares.

O embaixador dos Estados Unidos no Brasil no início dos anos 1960, o intelectual brasilianista de Harvard Lincoln Gordon, aparece como quase um vilão, com seus alarmantes telegramas para os presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson, em que apontava o risco iminente de o Brasil seguir Cuba em direção ao comunismo. “Se o Brasil for perdido, não será outra Cuba, mas outra China, em nosso hemisfério ocidental.” No contexto da Guerra Fria da época, pouco após Cuba se tornar socialista, esse era o pior pesadelo dos americanos.

Em conversa com Kennedy, cujo áudio é reproduzido, Gordon avalia que o presidente brasileiro poderia ser um “ditador populista”, nos moldes do argentino Juan Perón. Em novembro de 1963, Lyndon Johnson afirma que não vai “permitir o estabelecimento de outro governo comunista no hemisfério ocidental”.

EUA bancaram ações de propaganda e desestabilização do governo Goulart 

João Goulart ao lado de um de seus algozes, o embaixador Lincoln Gordon

O documentário mostra, então, as ações de propaganda dos EUA, coordenadas por Gordon, para desestabilizar o governo brasileiro. Cita a criação e o financiamento de supostos institutos de pesquisa anti-Goulart, como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) para bancar “pesquisas” e campanhas de 250 candidatos a deputados, oito a governador e 600 a deputado estadual no País. Além disso, o estímulo de greves e artigos na imprensa contra o governo eram o “feijão com arroz” de “ações encobertas” da CIA (Agência Central de Inteligência) onde pretendia derrubar regimes, como explica o coordenador do Arquivo de Segurança Nacional dos EUA, Peter Kornbluh.

Em telegrama para Washington, Gordon admite: “Estamos tomando medidas complementares para fortalecer as forças de resistência contra Goulart. Ações sigilosas incluem manifestações de rua pró-democracia, para encorajar o sentimento anticomunismo no Congresso, nas Forças Armadas, imprensa e grupos da igreja e no mundo dos negócios.” Entrevistado, o assessor de Gordon na embaixada, Robert Bentley, não nega o financiamento americano, apenas sorri, cala e diz: “Isso era uma polêmica quando cheguei [ao Brasil].”

O filme reitera ainda a importância do adido militar da embaixada Vernon Walters, amigo de oficiais brasileiros desde a 2ª Guerra Mundial, como o general Castelo Branco, que viriam a ser fundamentais na derrubada de Goulart. Cabia a Walters identificar insatisfeitos entre militares. O oficial descreve Castelo Branco, então chefe do Estado-Maior do Exército, como “altamente competente, oficial respeitado, católico devotado e admira papel dos EUA como defensores da liberdade”. Segundo Bentley, “havia muita confiança em Castelo Branco”, o “homem para sanear a situação, do ponto de vista dos interesses americanos”.

Força-tarefa naval para apoiar o golpe pedido de ajuda de militares brasileiros

Força-tarefa naval, com porta-aviões, foi autorizada a ser enviada ao Brasil para apoiar o golpe de 64

Quando a situação esquenta, os EUA concordam em mandar navios de guerra para a costa brasileira, na chamada Operação Brother Sam, com o objetivo de intimidar e dissuadir o governo de resistir ao golpe. O presidente norte-americano autoriza, em áudio, a fazer “tudo o que precisarmos fazer. Vamos pôr nosso pescoço para fora (nos arriscar).”

Um telegrama do Departamento de Estado dos EUA para Gordon descreve as medidas tomadas para “estar em posição de dar assistência no momento adequado a forças anti-Goulart, se decidido que isso seja feito”. A operação Brother Sam incluía enviar “uma força-tarefa naval, com um porta-aviões, quatro destróieres (contratorpedeiros) e navios-tanques para exercícios ostensivos na costa do Brasil”, além de 110 toneladas de munição e outros equipamentos leves, incluindo gás lacrimogêneo, para controle de distúrbios por avião.

Um telegrama “top secret” da CIA, de 30 de março – véspera da eclosão do movimento – mostra como os americanos estavam bem informados e articulados com os conspiradores. No documento intitulado “Planos de Revolucionários em Minas Gerais”, os espiões dizem que “Goulart deve ser removido imediatamente. Os governadores de São Paulo e Minas Gerais chegaram definitivamente a um acordo. A ignição será uma revolta militar liderada pelo general Mourão Filho. As tropas vão marchar para o Rio de Janeiro.”

Documento assinado pelo secretário de Estado dos EUA, Dean Rusk confirma que os golpistas pediram apoio militar aos EUA. “Pela primeira vez, os golpistas brasileiros pediram se a Marinha americana poderia chegar rapidamente à costa sul brasileira.” Para o professor de História da UFRJ Carlos Fico, a retaguarda da Brother Sam foi fundamental para dar segurança aos militares que derrubariam o regime. Apesar dos documentos e de forma pouco convincente, o diplomata Bentley, nega ter ouvido falar na operação.

Newton Cruz: “Toda revolução, para começar, tem um maluco. O Mourão saiu!”



João Goulart, no comício da Central do Brasil, às vésperas de ser deposto

O filme tem ainda momentos engraçados. “Toda revolução, para começar, tem um maluco. O Mourão [general Olympio Mourão Filho, que liderou as tropas de Juiz de Fora em direção ao Rio] saiu!”, ri o general Newton Cruz, ex-chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações). A filha do general Mourão Filho, Laurita Mourão, diz que o pai chamou de “covarde” Castelo Branco, o primeiro presidente militar após o movimento, ao ser criticado por suposta precipitação ao mover tropas em direção ao Rio. “Castelo Branco, você é um medroso, é um…” Nas palavras da filha, ele também “foi entregar a Revolução a Costa e Silva [posteriormente também presidente do regime], que estava dormindo, de cuecas.”

Após o sucesso da iniciativa, Gordon escreve aos EUA. “Tenho o enorme prazer de dizer que a eliminação de Goulart representa uma grande vitória para o mundo livre”. Robert Bentley conta que participou, no gabinete vazio de Goulart, de reunião sobre a posse do novo regime em que estava o presidente do Supremo Tribunal Federal. Ao telefone para o embaixador, foi perguntado se a posse do novo regime tinha sido legal, e respondeu: “’Parece que foi legal, não sei dizer’. Acordei 12h depois e [os EUA] tinham reconhecido o governo.”

“Acho que há certas pessoas que precisam ser presas mesmo”, disse Lyndon Johnson


Filme estreia dia 29

Poucos dias após o golpe, em um interessante áudio, o presidente Johnson debate com o assessor de Segurança McGeorge Bundy o tom da mensagem para o novo presidente do Brasil.

- Há uma diferença entre Gordon, que quer ser muito caloroso, e nossa visão da Casa Branca, de que o sr. deveria ser um pouco cauteloso, porque estão prendendo um monte de gente.

- Eu acho que há certas pessoas que precisam ser presas mesmo. Não vou fazer nenhuma cruzada contra eles, mas eu não quero… Eu gostaria que tivessem colocado alguns na prisão alguns antes que Cuba fosse tomada – responde Johnson.

- Uma mensagem mais rotineira seria desejável neste momento.

- Eu seria um pouco caloroso – diz o presidente.

- É mesmo? Isso vai ser publicado.

- Eu sei, mas eu estou me lixando!, finaliza o presidente.

Juracy Magalhães: “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil”

O filme avança, mostrando o Ato Institucional nº 1, que cassa os direitos políticos e mandatos de parlamentares e de militares. Um deputado chora sobre a mesa, na Câmara. E lembra, para ilustrar a proximidade do regime militar brasileiro com os EUA, a célebre frase que marcou o militar Juracy Magalhães, embaixador do Brasil em Washington: “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil”.

Projeto familiar


Kennedy recebe o embaixador no Brasil, Gordon

O documentário é também um projeto familiar e uma homenagem do diretor, Camilo Tavares, ao pai, o jornalista e ativista político Flávio Tavares – um dos 15 presos trocados pelo embaixador americano Charles Elbrick, sequestrado no Rio em 1969.

Flávio aparece na famosa foto dos presos (abaixo) diante do avião que os levaria ao exílio, no México – onde o diretor nasceria, em 71 –, e em um flash rápido, em lista de “procurados”, com o nome de Flávio Aristides. É também Flávio Tavares quem faz as entrevistas, ficando frente a frente com ex-adversários, o diplomata Bentley e Jarbas Passarinho, ministro que assinou sua extradição. A mulher de Camilo, Karla Ladeia, é produtora-executiva.

Para o embaixador Elbrick, seu sequestro foi uma tentativa de “constranger os governos brasileiro e norte-americano”. Mas há outros momentos de constrangimento americano no filme. Após aparecer a foto de um homem pendurado em um pau-de-arara, Bentley é questionado sobre as violações a direitos humanos. “É difícil de justificar oficialmente. Mas lamento… lamento (ri), de qualquer maneira.” À época, entretanto, as mensagens internas do governo americano pregavam a discrição. “Embora não busquemos justificar atos extra-legais ou excessos do governo, concluí que nossa melhor decisão é nos aproximarmos ao máximo do silêncio de ouro”, recomenda Gordon.

O filme surpreende ainda com depoimentos inusitados e críticos de protagonistas do regime, como o general Newton Cruz, chefe do SNI. “Quando a Revolução nasceu era para fazer uma arrumação da casa. Ninguém passa 20 anjos para arrumar a casa!”

O filme conclui com uma frase ácida do coordenador do Arquivo de Segurança Nacional, o norte-americano Peter Kornbluh. “Tudo isso foi feito em nome da democracia, supostamente.”


Presos libertados pelo sequestro do embaixador Charles Elbrick, dos EUA. Flávio Tavares, pai do diretor, é o primeiro à direita, agachado

A expedição por Hélio Costa Jr.


A expedição

Fazer cinema é mostrar o lado bom da vida. (Laurêncio Lopes – cineasta acreano)
Você sabia que já tivemos acreanos de cinema? Pois no início dos anos de 1970 um grupo de jovens produziu cinema na cidade de Rio Branco. Pode parecer banal saber disso hoje em dia quando o Acre encontra-se totalmente integrado ao resto do país, seja por terra, pelos rios ou pelo ar. Atualmente temos internet, emissoras de rádio e televisão que transmitem informações em tempo real, durante as 24 horas do dia. Contudo, nem sempre foi assim.
 Laurêncio Lopes na Praça Plácido de Castro com amigos: década de 1970Laurêncio Lopes na Praça Plácido de Castro com amigos: década de 1970
Na década de 1970 o Acre era um Estado isolado. A única Rodovia que ligava os acreanos ao resto do país passava metade do ano intrafegável, por conta dos rigores do clima amazônico. Apesar da distância do centro-sul, em Rio Branco havia um rico movimento cultural. Teatro, Festivais de Música, notícias e radionovelas pelas ondas das Rádios Novo Andirá e Difusora Acreana, além de cinemas: cine Acre, cine Rio Branco e cine Teatro Recreio.
É neste cenário efervescente que no dia 16 de março de 1973, no salão paroquial da antiga Igreja de São Sebastião, os jovens João Batista Marques de Assunção (Teixerinha do Acre), Antônio Dourado de Souza, Antônio Evangelista de Araújo (Tonivan), Adalberto Queiroz de Melo, Raimundo Ferreira de Souza e Ozenira Cabral de Brito criaram o Grupo ECAJA FILMES (Estúdio Cinematográfico Amador de Jovens Acreanos).
Entre estes pioneiros do cinema, destaco Laurêncio Lopes da Silva que passou parte de sua juventude no Pará, na cidade de Alenquer e outra parte em Manaus, retornando à Sena Madureira em meados da década de 1970, sempre morando com seus pais. Os motivos destas peregrinações eram as dificuldades financeiras e, no caso da mudança em definitivo para Rio Branco, a causa foi a grande cheia do Rio Iaco em 1971. Uma ironia: em um Estado marcado pelo povoamento de nordestinos fugindo da seca, Laurêncio Lopes e sua família fogem das águas, chegando a Rio Branco, com apenas treze anos idade.
Em Rio Branco, sem emprego, Laurêncio resolve engraxar sapatos. Ficava na Praça e sempre que podia, via os cartazes do cine Rio Branco. Mesmo com alguma dificuldades de leitura anotava os nomes dos atores dos filmes exibidos nos cartazes, dos artistas, "como agente costumava a falar na época", diz Laurêncio Lopes, que ainda ressalta: "eu virei um fanático do cinema, e sempre empolgado comentava com meus colegas: um dia eu vou ser ator! Um dia eu vou ser artista! Um dia eu vou me ver na tela! Os coleguinhas riam dessa pretensão, afinal, eu era apenas engraxate".
Certo dia passando em frente ao Palácio Rio Branco – Sede do Governo do Estado, isso já no ano de 1974, onde estava sendo exibido em praça pública, o filme Rosinha, a rainha do Sertão, Laurêncio puxa sua caixa de engraxar sapatos, senta-se e começa a assistir atentamente a projeção. Ao terminar, direcionou seu olhar inicialmente para a tela e logo após para uns jovens que estavam ao lado ficando, conforme relatou, intrigado: "Eu achava muito parecido com os rapazes que estavam no filme, olhava pro Tonivam, olhava pro Teixeirinha, olhava pro Adalberto, mas não os conhecia na época. Fiquei olhando – rapaz, esses caras parecem com esses homens que está (sic) no filme" (Lopes, 2000). Resolve então falar com aqueles rapazes e percebe que eram realmente os "homens da tela". Além disso, também descobre que o filme que acabara de assistir tinha sido produzido no Acre. Sua reação foi imediata: "eu estou realizado, eu vou fazer filme"! Começou a partir daquele momento a participar das reuniões do Grupo Ecaja que ocorriam aos sábados no Colégio Acreano, na esperança de ser escolhido para atuar em um das produções do Grupo, o que ocorreria em meados de 1977, com a aprovação do roteiro do filme Gatinhas e gatões, que não chegou a ser concluído. Contudo, o debute de Laurêncio no cinema acontecera.
Laurêncio produziu vários filmes, mas, entre as suas obras, uma merece destaque: "A expedição", que difere dos demais devido as suas características originais, a começar pelo tempo de sua produção, que é digno de nota: apenas quinze dias entre roteiro, ensaios, gravação e edição. Tudo teria começado com o pedido de um amigo que desejava dar para sua filha, que fazia aniversário, um presente diferente: um filme. Laurêncio, que se encontrava deitado em sua rede ao ouvir a curiosa proposta do amigo não titubeou e imediatamente se dispôs a montar o roteiro. O argumento se baseava na história de uma expedição que visava caçar um monstro que vivia na mata apavorando e devorando as pessoas. O roteiro ficou pronto em três dias e logo começaram os ensaios que duraram apenas uma semana.
Cena do Filme Gatinhas e gatões, 1977Cena do Filme Gatinhas e gatões, 1977
O principal desafio do filme seria fazer a maquiagem do ator que iria interpretar o monstro e na falta de material apropriado para fazer este make-up , Laurêncio, que já tinha uma boa experiência na arte do improviso aprendido no Ecaja Filmes, não se intimidou diante do novo desafio: "Nós fomos nos (sic) salões de beleza de Rio Branco na época. O personagem, nós nem sabíamos o que era. Vamos criar tipo, um Mapinguari, um macaco, um negócio que come todo o pessoal. Mais ou menos assim. Um Mapinguari. Só que nunca vi um Mapinguari em minha vida. [...] Vou fazer um Mapinguari, um negócio diferente aqui. Um bicho que ta lá no mato, escondido e vai atacar as pessoas. Então eu fiz um homem, cabeludo, os cabelos da cabeça longo, todo peludo. Eu encomendei alguns sacos de cabelos de salão. Todo salão que cortava cabelo eu pedia para guardar e guardamos vários sacos de cabelo". (LOPES, 2000)
Conseguir o material de maquiagem para o ator que interpretaria o monstro parecia ser uma solução engenhosa e razoavelmente simples de ser executada. Após peregrinar pela cidade, recolhendo os cabelos cortados nos salões, Laurêncio percebe o surgimento de outro problema: como fazer e o que usar para fixar os cabelos no corpo do ator que interpretaria o monstro? Nunca é demais lembrar que a tônica das produções cinematográficas acreanas aproximavam-se do preceito glauberiano: "Câmera na mão, baixo custo de produção, para mostrar o verdadeiro gesto do homem" (ROCHA, 1963, 104), apesar de não ser o Cinema Novo a fonte de inspiração desses jovens cineastas. Novamente o improviso e a engenhosidade na solução desse novo desafio: usaram cola branca para fixar os cabelos conseguidos nos salões no corpo do ator. Após os cabelos serem devidamente colados no corpo do ator que interpretaria o monstro, surgiu a questão do transporte, já que as cenas deveriam ser necessariamente gravadas em uma região de mata, para expressar um maior realismo. A saída encontrada foi a de transportar o ator no fusca de um dos amigos que sempre colaboravam nestas horas, contudo, outra questão inesperada atrapalha os planos, como relembra Laurêncio Lopes (2000): "Mas como o dono do fusca não queria que entrasse o rapaz no fusca, pois ia infestar o fusca de cabelo, nós fizemos a maquiagem do cara lá fora e colocamos na frente do carro, do fusca, ele com os pés no para-choque e saiu aquele monstro no meio da estrada. O fusca indo e aquele monstro feio na frente".
O resultado imediato desta solução encontrada pelo cineasta foi a algazarra e a festa que a criançada fazia por onde o carro passasse: "E as crianças que estavam na beira da estrada, aos gritos, com medo". (LOPES, 2000). Mas os problemas não findaram por aí. A solução da cola, que a princípio parecia prefeita, começava também a demonstrar que aquela não era a saída ideal: "E quando chegamos lá, nas primeiras cenas, a cola não deu certo, porque estava caído alguns cabelos, mas a gente 'tava' vendo. Pegamos outro monte de cabelos, pegamos uma cola mais rigorosa e tocamos no cara. Entupimos o cara de cabelo" (LOPES, 2000).
A falta de recursos, aliada ao pouco conhecimento da arte de maquiagem para cinema e a opção por usar fardos de cabelos recolhidos dos salões da cidade, sem o devido tratamento, trouxe uma consequência imprevista para o ator que interpretava o monstro: "O cara criou uma curuba . O cara não conseguia tirar o cabelo. Foi muito feio. Deu curuba no cara todo. Essa cola fez mal pro cara. Também eu não conseguia tirar do corpo do cara" (LOPES, 2000).
Mesmo quando não aparecia no plano, o monstro, a pedido do diretor, deveria ficar rondando o acampamento onde estavam os mocinhos do enredo. Essa instrução ocasiona outro incidente, como nos relata Laurêncio Lopes: "Pois bem, as pessoas lá pensando que o monstro era de verdade mesmo, correndo no meio do mato, chegou um cidadão querendo atirar no macaco [no ator], pensando que era um monstro, só que o cara já estava dentro do mato. E nós gritamos: ei, ei, ei! É um homem, é um homem, é uma filmagem"! (LOPES, 2000)
Desfeita a confusão, Laurêncio retoma as filmagens e para dar ênfase ao suspense, o monstro não aparece nas cenas iniciais do filme, mas deveria deixar claro para o espectador que ele estava rondando o acampamento e poderia surgir a qualquer momento e, no intento de conseguir esse efeito, o diretor determina que, mesmo fora de cena, o monstro deveria continuar gritando e rugindo. Porém, relembra Laurêncio Lopes o ator que interpretava o monstro se empolgou mais que o necessário ao gritar e rugir, o resultado foi desastroso: "Então, o cara talvez sem experiência, o cara gritava direto: ahhh! ahhh! O cara nos gritos, ele perdeu a voz. Ele passou um mês sem voz, não falava nada"! (LOPES, 2000)
Além de ficar afônico durante um mês e com o corpo coberto de feridas devido a alergia da cola e dos cabelos em seu corpo, o ator que interpretou o monstro teve febre alta como consequência de uma tremenda insolação.
Mesmo com todos esses contratempos o filme foi concluído e apresentado na filmoteca. Segundo o próprio Laurêncio Lopes, "foi uma grande audiência" no Festival Regional de vídeo e na televisão, onde também foram exibidos os filmes Marcas e Rosinha, a rainha do sertão.

Referenciais

1. [Entrevista] LOPES, Laurêncio. Servidor Público, ainda atua no cinema. Produziu vários trabalhos em VHS e atualmente utiliza os formatos digitais. É mais conhecido pelo seu pseudônimo Lapys. A entrevista foi cedida na filmoteca acreana ao autor. Rio Branco -Acre, 14 de janeiro de 2000.
Professor do curso de História da Ufac

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