terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Conhecendo parque nacional da serra do divisor

Conhecendo parque nacional da serra do divisor







Paulo Mário Moll

(Introdução)

Flaviana Coimbra

(Desenvolvimento)







O parque nacional da serra o divisor está localizado no estado do Acre abrangendo os municípios de cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves, Porto Walter, Marechal Taumaturgo e Mâncio Lima onde se encontra sua maior parte. Foi criado em 1989 e a maior parte de seu território esta preservado. A principal via de acesso é pelo Rio Môa.

A Serra do Divisor é composta por inúmeras atrações naturais, como montanhas, Cachoeira do ar condicionado; cachoeira Formosa, essa tem três quedas d’água é simplesmente linda e uma das mais famosas; buraco central que foi aberto pela Petrobras durante os trabalhos de prospecção do Petróleo na década de 30.O buraco central tem 1 metro de diâmetro que jorra água formando assim uma bela cachoeira que deságua no rio Moa. Também tem a trilha do mirante de onde se pode observar a divisa do Acre e o Peru. É considerado o 5° maior parque do Brasil em biodiversidade, muito rico em fauna e flora, abriga uma reserva indígena os nukinis

Portanto caro leitor ,é com grande satisfação que relato um pouco de minha aventura no PNSD.A visita foi feita juntamente com meus colegas do curso Técnico em Ecoturismo ,na qual fazíamos pelo o instituto Dom Moacyr, sobre a responsabilidade da escola Roberval Cardoso o antigo colégio agrícola

A viajem durou 15 dias, pois fomos de ônibus pela Br 364,e como é de conhecimento de todos a estrada está em processo de pavimentação, o que dificultou bastante, prolongando assim o tempo de chegada a Cruzeiro do Sul. Saímos de Rio Branco as 4 da manhã e chegamos a Tarauacá a noite onde fomos recebido pelo colégio de freiras na qual passávamos anote.No dia seguinte fomos para a aldeia indígena poynáua em Mâncio Lima, onde acampamos e passamos a noite.

No dia seguinte ao meio dia fomos em direção a Serra, onde fomos divididos em 7 voadeiras, é uma experiência inesquecível viajar sobre o rio moa, pois desfrutei de uma linda visão natural, acampamos na praia, e passamos mais uma noite, foi muito bom, apesar da chuva .Foi uma viajem cansativa, com um sol escaldante. Fomos conhecer o posto fiscal, onde o exército faz o trabalho de fiscalização de quem entra no parque, do trafico de drogas vindas do peru e principalmente da exploração madeireira ilegal e de animais feita por peruanos.

Mas a grande emoção é na chegada ao pé da serra, só vendo de perto pra saber, é realmente lindo, está ai o grande motivo de receber diversos pesquisadores, estudiosos de outros países que ficam encantados com tanta beleza.

Atualmente já se descobriram outras cachoeiras, mas a que conheci foi as que citei acima,a cachoeira do ar condicionado fica bem dentro da Mata, e tem uma água bem gelada, por isso recebe esse nome a queda d’água faz uma barulho intenso,bastante pesada a queda d’água.a trilha do mirante dura aproximadamente de 30 a 40 minutos subindo, prestem atenção é subindo literalmente ,não é todo mundo que agüenta subir, principalmente porque é direto dentro da mata só segurando nos galhos de arvores, mas a recompensa é a grande visão que se tem lá do alto da Serra, onde se pode ver o rio Moa bem pequenino com suas curvas, além de ver o marco Divisor, o Peru e Brasil.

Para conhecer a cachoeira Formosa tive que caminhar aproximadamente 5 km, direto dentro da mata fechada, só com pequenos caminhos feito com o dia-dia dos moradores da serra, dizem que para quem anda rápido é 4 horas .Acreditem essa foi a caminhada mais longa que já fiz, as poucas coisas que levávamos já não agüentávamos mas ,pois cada passo pesava mais,1hora foi só andando sobre as pedras e a água gelada ,debaixo de chuva ,lá não para é chuva direto,a cada passo a frente só víamos grandes paredões de arvores nos rodeando ,o céu ficava bem pequeninho.



ARTIGO..Século XIX ao XX, uma época marcante

Século XIX ao XX, uma época marcante



Flaviana Coimbra*

Paulo Mário Moll*





Resumo

Este artigo tem por finalidade abordar algumas questões referente a transição do seculo XX ao XIX,como era a mentalidade de uma época, em que os Estados Unidos passava pela guerra de secessão , na qual deixou profundos ressentimentos entre os americanos.

Abstract

This article aims to address some issues concerning the transition from the nineteenth to the twentieth century, as was the mentality of an era in which the United States passed the war of secession, which left deep resentment among Americans.

Com origem na atuação de veteranos confederados sulistas desde 1865, a fundação da Ku-Klux-Klan, ocorre dois anos depois em Neshville, com o objetivo de impedir a integração dos negros, como homens livres com direitos adquiridos e garantidos por lei após a abolição da escravidão.

Como sociedade secreta, racista e terrorista, a Ku-Klux-Klan”, era presidida por um Grande Sacerdote, abaixo do qual existia uma rígida hierarquia de cargos dotados de nomes sinistros como "grandes ciclopes" e "grandes titãs". O traço característico de seus membros era o uso de capuzes cônicos e longos mantos brancos, destinados a impedir o reconhecimento de quem os usavam.

O Klan tinha princípio racial, nacionalistas, eram compostos por brancos, ricos e protestantes visava um modelo econômico, de valores importantes de manutençao para a familia, preservavam a moral e eram contras negros, estrageiros, a igreja católica,judeus, e contras os movimento de mulheres que estava despertando, adquirindo mais liberdade e independência.

Não restam dúvidas, tendo em vista alguns acontecimentos, que a década de 20 marcou profundamente o modo de vida dos americanos. Os fatos marcantes se dão em todos os âmbitos sociais. Velhos costumes e culturas conservadoras caíram por terra. Isso tudo se desencadeou junto a maior crise da economia americana vivida no final da década.

A sociedade mudou, as mulheres saíram daquele modo de vida tradicional de ser apenas dona de casa, e passaram a fazer as mesmas coisas que os homens, começaram a sair, beber e a fumar. Houve vários movimentos, eram os chamados movimentos das mulheres para fora de casa, queriam seus diretos de trabalhista e políticos, direito ao voto. No entanto elas começam a se unir, e em 1920 conseguiram o direito de votar, é interessante salientar que nem todas as mulheres da época aderem aos movimentos, ao contrário, elas repudiavam, achava que aquilo era contra a moral da sociedade e de uma mulher direita, eram aquele tipo de mulher submissa ao marido, e achava certo, também muitas tinha medo de seus maridos.

Os negros mesmo que com a abolição da escravidão ainda sofriam preconceitos, portanto passavam a expor seus costumes, suas culturas principalmente com a propagação de suas musicas, seus ritmos, como o Jazz. Além de serem comuns as agressões físicas, os linchamentos e os homicídios, os negros estavam também sujeitos as humilhações cotidianas. Cidadãos negros, por exemplo, que tivessem até um oitavo de sangue africano, só podiam viajar nos vagões de trem especialmente destinados a pessoas “de sua raça”.

A expressão usada pelo o autor “Renascença negra” traduz exatamente como a supremacia branca caia por terra. Estudos comprovaram que o ambiente, e a sociedade desempenhavam o papel principal em aptidões de grupos étnicos. Bem mais que hereditariedade.

Outro acontecimento importante dos americanos também na década de 20 foi o desenvolvimento tecnológico, em parceria com um marketing tentador e estimulante levando a população a consumir, com forte investimento em publicidade.

As campanhas incentivadoras ao consumo dispunham de linhas de créditos e que levam os consumidores a comprar cada vez mais. Grande procura tornou-se maior que a oferta e com o tempo isso desencadeou uma crise, não se podia produzir mais o bastante, sendo assim não se satisfazia a procura. O governo tentou naquela década varias tentativas de solucionar a crise. Já não se podia comer, não se tinha o que vestir, os brancos tiveram falhas graves em seus sistemas, tiveram que organizar planos de crédito para a aquisição da casa própria com prestações, mensais e juros em longo prazo.

Os projetos do presidente Hoover não deram certo. A crise acarretou falência de brancos, suicídios, a taxa de natalidade e de casamento caiu. Os americanos caíram na miséria total, o que levou a grande maioria se mudar para o campo. Lá se tinha pelo o menos o que comer.

No entanto o século XX marcaria os EUA pelo maior poder econômico do mundo. Sua produção industrial era enorme e ganhava das grandes potencias européias. Grandes projetos imperialistas ganhavam força e o objetivo principal era tomar o controle de novos territórios no Caribe, América Central e Oceano Pacífico.

Esse sucesso industrial e comercial tinha um preço a ser pago, e quem pagava por isso era a classe trabalhadora. A exploração dessa classe era grande; carga horária excessivas, baixos salários, e péssimas condições de trabalho se tomavam comum, e a população indígena, latino-americanos e imigrantes era injustiçada.

Nas décadas seguintes a economia agrícola e artesanal foi substituída pelo mundo industrial do carvão, aço e vapor. A ampla disponibilidade de matéria prima e mão-de-obra barata transformavam os EUA na maior nação industrial do século XX.Os avanços eram visíveis e citáveis: extensão das ferrovias, vastas áreas agrícolas comerciais foram criadas para os produtos industrializados, o avanço da mineração, do carvão e do aço era espantoso.

Wall Street em Nova York passou a ser sede dos grandes bancos, avanços tecnológicos como eletricidade, aço, motores a vapor e os automóveis revolucionavam a produção industrial e o transporte. Esta grande riqueza dos chamados “Capitães industriais “não foi compartilhada com os trabalhadores” Os salários eram baixos, benefícios não existia a jornada de trabalho era de 10 horas por dia e seis dias na semana, doenças e acidentes no trabalho eram comum”. Empresas empregavam mulheres e crianças porque os salários eram menores que os pagos aos homens. O movimento sindical sofreu limitações, a palavra ‘raça’ significava diferenças biológicas e culturais entre os povos tidos como superiores; geralmente brancos originários da Europa ocidental e do Norte.

Alguns grupos étnicos como judeus e alemães progrediram economicamente.Emprego,educação,lazer e praticas sexuais mais livres adotadas por jovens mulheres eram motivo de conflitos familiares. Em 1890 os negros que moravam no Sul do País perderam o direito ao voto. Negros e brancos não podiam mais se misturar, havia, no entanto a segregação, onde tudo era separado, havia escolas, serviços públicos, e lojas tudo separado entre negros e brancos.

Em 1900, dez milhões de negros nos EUA que moravam nos estados sulistas trabalhavam nas regiões algodoeiros. A maioria era constituída por arrendatários e latifundiários brancos pagando aluguel das terras em dinheiro ou com parte de com produção.

Enfim, percebe-se que aconteceram diversas mudanças, no entanto ,também é interessante salientar que mudou ,aconteceram transformações, porém nossa sociedade contém muitas heranças desta década, como o preconceito racial, preconceito contra estrangeiro como, por exemplo, como os bolivianos, e há uma grande dominação do capitalismo como a publicidade e o marketing, que até hoje influência e muito a vida de todos.

























Referência Bibliográfica:


LEUCHTENBURG, William E. (org.), O Século Inacabado: A América desde 1900, v.1 – Zahar Editores, Rio de Janeiro.


PARDY, Sean, História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2008.O século Americano- A Era Progressista 1900-1920




domingo, 9 de janeiro de 2011

varadouro 1º


Eles fizeram o que se poderia chamar de uma revolução. Na linguagem, no comportamento político, nos relacionamentos sociais, em tudo eles buscaram o avesso do que estava estabelecido. Na chegada do “progresso” defenderam os índios. No auge da pecuária gritaram em favor da floresta. No crescimento da urbanização falaram de seringueiros. No frenesi do capitalismo deram valor aos pobres. Em meio aos letrados assumiram a fala dos analfabetos. Fizeram, assim, um dos mais expressivos jornais da chamada imprensa alternativa do Brasil, o histórico Varadouro. Vinte anos depois, “o Acre” os reúne para lembrar e analisar o que passou. E para, à luz do passado, fazer o que sempre souberam fazer melhor: projetar o futuro.

varadouro 2º

Os velhos jornais no Varadouro
Elson Martins
A impressão das 24 edições do Varadouro foi sempre um parto muito difícil. O primeiro número, que circulou em maio de 1977, para ser rodado teve que recorrer à gráfica do Estado, o antigo Serda, e manter longa conversa de convencimento junto ao diretor José Paz, um pernambucano esclarecido que precisou consultar o então governador Geraldo Mesquita para nos atender. A autorização saiu sob recomendações e ameaça de suspensão.
Aparentemente, nada impediria que o jornal tivesse vida longa nas oficinas do governo, até porque o dono da gráfica (Mesquita), por seu passado e formação ideológica era tido como aliado. Mas o recado desanimador não demorou: “Não vai dar pra continuar tirando o jornal aqui” – desculpou-se José Paz, e até hoje não sabemos por que, já que a edição saiu bem comportada, até..
O fato é que começamos contabilizando prejuízo: o acerto com o Serda incluiu a compra de 300 quilos de chumbo para linotipo no Rio de Janeiro, pagando frete aéreo caríssimo, além das despesas para o serviço extra do linotipista Nilder (já falecido), do paginador e auxiliares de tipografia. Sem contar as resmas de papel para 5 mil exemplares de 20 páginas, tamanho tablóide, e o lanche da rapaziada que teve de madrugar alguns dias até o jornal ficar pronto.
Pelo editorial do número 1, entretanto, dá para perceber que o ânimo da equipe do Varadouro suportaria contrariedades: “Varadouro é um dever de consciência de quem acredita no papel do jornalista”, ao que foi acrescentado: “é um desafio, até certo ponto, incômodo; sabemos que seremos amados e mal-amados, mas ainda achamos que vale a pena assumi-lo, porque acreditamos que o homem acreano e o da Amazônia merecem muito mais que simplesmente o berro do boi”.
E por aí o número 2, que deveria circular em junho, somente saiu na primeira quinzena de julho com atraso de um mês. A explicação está na longa negociação que precisou ser feita do outro lado da Rua João Donato, onde funcionava a gráfica do jornal O Rio Branco de propriedade de Luiz Tourinho, empresário de Porto Velho. O editor José Chalub Leite, aberto às novas idéias, deu uma mãozinha para que seu patrão acolhesse o novo e inquieto nanico da imprensa, mas não evitou um novo impedimento. A via crucis do Varadouro estava apenas começando.
Com a reportagem de capa “O Acre nos jornais velhos – Uma história bem contada”, a segunda edição penetrou mais fundo na alma acreana. A matéria resultou de uma mexida nas prateleiras empoeiradas da Biblioteca Pública e de conversas com pioneiros como Foch Jardim e Zé Leite, surpreendendo ao mostrar como o Estado foi pródigo em jornais no começo do século. Circularam nos tempos felizes da borracha mais de 50 títulos editados sabe-se lá como, mas mas que faziam registro fiel dos acontecimentos da época: desde a elegância da “mademoiselle” Raimunda da Silva ao preço do látex no mercado internacional e as intrigas locais.
Durante a produção das duas primeiras edições e apesar dos problemas que teve de superar, a equipe do “Vara” não parou de crescer. Na primeira reunião de pauta na redação - digo na minha residência na Rua Cel. João Donato 291- participaram três, quatro gatos pingados. Mas para a matéria sobre os jornais velhos já contamos com um mutirão de “repórteres” que entrou em campo procurando fazer o melhor sobre o tema escolhido.
Coloquei aspas na palavra “repórteres” propositadamente, para explicar que, no começo, com experiência em jornalismo existia apenas eu, o Silvio Martinello e o Antônio Marmo, este último um excepcional jornalista que sempre estranhou o clima de nossa redação. Em compensação, o time que foi às ruas saber dos problemas e fazer notícia, eram militantes de primeira: Célia Pedrina, Luis Carvalho, Rosa Maria Carcelen e Terri Aquino (Txai) para começar. Contamos também com o fotógrafo Adalberto Dantas, que mantinha um laboratório no SESC, o imprescindível Abrahim Farhat Neto (nosso Lhe), e o Alberto Furtado, promovido de proprietário da banca de revistas a vendedor de jornal no “pregão” (Olha o Varadouro!).
Daí para frente entrou mais gente, conseguimos uma redação nos fundos do quintal do seu Elizeu - guarda territorial aposentado e pai da Eurenice, militante do DCE da Universidade Federal do Acre - e o Varadouro se tornou algo mais que um jornal: funcionou também como delegacia de policia, posto de assistência social, sede comunitária de lavadeiras, domésticas e estivadores, quartel general do Txai Terri e dos índios Kaxinawá do velho cacique Alfredo Sueiro, dos confins do rio Jordão.
Repercussão no País
Na segunda página da edição 2 dá pra ver a repercussão que o jornal causou. Chegaram à redação cartas de São Paulo, Brasília e, claro, Xapuri, de onde o saudoso Chico Mendes mandava sua força e pedia mais jornais. As cartas continuariam chegando aos montes, de diferentes lugares, e isso tinha uma explicação: a imprensa alternativa funcionava como uma rede distribuindo no país os nanicos e, ainda por cima, trocando matérias e tecendo rasgados elogios. Era uma rede solidária contra o regime militar no Brasil.
Na página 3, o jornal publicou uma entrevista com o prefeito Fernando Inácio recém nomeado por Geraldo Mesquita. Eleição era coisa rara naqueles tempos, todos os prefeitos do Acre vinham nomeados de Brasília depois de terem os nomes submetidos ao crivo dos generais. No caso do Fernandinho, nem precisava, o homem parecia um sacristão saindo da missa; mas o que ele fez bem durante alguns anos foi torrar a paciência dos riobranquinos.
A entrevista com o prefeito-interventor foi trabalhada pelo Antônio Marmo, que veio de São Paulo junto com o Silvio e deu enorme contribuição para a imprensa acreana sem entender porque o pessoal continuava fazendo e gostando do jornalismo tão arriscado que se produzia aqui. Ele acabou cunhando a expressão “aqui é aqui” para explicar o inexplicável. Com estilo primoroso Marmo fez com que o entrevistado parecesse um político disposto a fazer alguma coisa pela cidade.
Depois de passar pelo “Siribolo do Papôco”, indicando que o jornal tinha interesse nas histórias dos bairros, os antigos e os novos, e de destacar o pouco caso que o poder público fazia da saúde, o Vara 2 chegou à página 7 com um assunto de comportamento: “Quem é o pai da Juliana?”. Tratava-se de uma queixa contra a intromissão da televisão nas pacatas conversas entre vizinhos, nas varandas e calçadas. As famílias se trancavam à noite para receber sua dose diária de veneno global cedendo ao modismo, e perdendo as histórias e amizades que marcaram a sociedade acreana.
O perigo era iminente. As famílias chegaram à cidade expulsas do seringal e o que lhes ofereciam funcionava como um canto de sereia atraindo para o buraco da miséria, da prostituição e da violência. A TV ajudava (e ajuda) a desagregar famílias, pulverizar corações e mentes e a impor nova e perversa cultura urbana.
O Varadouro farejava essas coisas e se posicionava contra, até com algum radicalismo, ganhando cada vez mais adeptos. Os que não tinham voz para reclamar da dura vida cotidiana encontravam naquele pequeno bando de malucos coragem para denunciar os abusos e cobrar providência das autoridades. Presos maltratados pela polícia, estivadores explorados no porto, os prostíbulos, a sonegação de impostos e malandragem generalizada e irresponsável no serviço público eram assuntos preferenciais no jornal, que estava apenas começando a fustigar a onça.
O Acre vivia a época do berro do boi e do que este representava de ruim para o estado, ou seja: trapaças, escrituras públicas de imóveis forjadas em cartório, prisões ilegais, expropriação de seringueiros e índios, trabalho escravo, prostituição das meninas egressas dos seringais enquanto “os novos donos do Acre” se aboletavam nas calçadas do antigo Hotel Chuí, no final da tarde, paqueravam as meninas e bebiam do melhor uísque com seus jagunços que espalhavam o terror na área rural. Tudo isso com a conivência de advogados, juízes, políticos influentes e autoridades de segurança.
Muita gente do outro lado (jornalistas, estudantes, religiosos, ativistas políticos, funcionários públicos conscientes), entretanto, defendia que era preciso fazer alguma coisa contra a bonivização do Acre. Só não sabia por onde começar. O Varadouro mostrou o caminho peitando ao mesmo tempo os fazendeiros e o poder econômico, sem falar nos militares. Tudo com muita ousadia e identidade sincera com o Acre e sua gente.

Varadouro 3º

Varadouro mostra a cara do conflito
Por Elson Martins
O Varadouro número 3 que a Biblioteca da Floresta está disponibilizando em seu site, circulou em agosto de 1977, após enfrentar novas dificuldades com impressão. O empresário Luiz Tourinho, dono do jornal O Rio Branco, concordou em imprimir a edição número 2, mas fechou a cara e a gráfica quando viu o conteúdo da edição. Foi necessário acionar a rede nacional e solidária dos nanicos que nos indicou as oficinas da PAT – Publicações e Assistências Técnicas Ltda de São Paulo como solução. Deu certo: impresso em off-set, o jornal ficou mais limpo e bonito, sem custos adicionais, mesmo incluindo o frete daquela lonjura.
A manchete de capa tratou do tema que virou marca registrada do jornal: conflitos de terra. A matéria “Terra, a briga pra ser dono” ocupou quatro páginas centrais e a edição de 5 mil exemplares esgotou logo. Um detalhe: o logotipo do jornal e a ilustração da capa são xilogravuras do Carlitinho (Francisco Carlos Cavalcanti, hoje pró-reitor da UFAC) que, antes da solução de São Paulo, sugeriu substituir os clichês de Zinco encomendados em Porto Velho por placas de madeira. No processo em off-set, contudo, foram aproveitadas apenas as xilogravuras.
Num dos três quadrinhos montados no sentido vertical, completando a capa, foi anunciada uma entrevista com o pesquisador Agamenon Tavares de Almeida, o qual mandou para o reitor da época, Aulio Gélio, um recado que continua valendo: “A Universidade tem que ser aberta”.
A matéria sobre a briga pela terra foi uma “pauleira” só. Pegou a equipe de surpresa na boca da noite, no fechamento da edição, com a notícia de que os posseiros do seringal Nova Empresa tinham emboscado e morto o capataz Carlos Sérgio Zaparolli Siena e seu auxiliar, Oswaldo Gondim.
Calafrios na turma! Porque o Carlos Sérgio era o cara que o jornalista Antônio Marmo, nosso colaborador entrevistara dias antes; a matéria estava até diagramada na página 3 e todos sabiam que o ousado e perverso capataz corria risco de ser atacado pelos posseiros. Sua entrevista teve que ser deslocada para juntar-se às opiniões do governador Geraldo Mesquita, do bispo Dom Moacyr Grechi, do representante do Incra, do posseiro Caetano, do policial e do patrão do capataz nas páginas centrais.
Carlos Sérgio havia dito na entrevista que nasceu e foi criado no sistema capitalista, e que se mudassem o sistema, ele iria para a Austrália caçar Canguru. Quem o via costumeiramente em frente ao hotel Chuí paquerando as meninas nos fins de tarde, não podia imaginar que aquele jovem loiro, alto, magro, olhos azuis e voz educada, vivia a infernizar a vida das famílias do seringal Nova Empresa nas proximidades de Rio Branco. Mas vivia. O seringal tinha sido retalhado e vendido a um grupo de médios empresários do sul, entre os quais figurava seu patrão Arquimedes Barbieri, um industrial do ramo de tintas em São Paulo. E a função do Capataz era expulsar as famílias que teimavam em permanecer nas terras. Ele chefiava um bando para metralhar criações, queimar barracos e entupir varadouros.
O grupo sulista propôs ceder uma área com lotes demarcados (de 25 hectares cada) para colocar os posseiros dentro, como forma de indenização. Mas a estratégia tinha sido tentada em outras áreas conflitadas e quem aceitou se deu mal. O terreno cedido, imaginem, ficava geralmente num chavascal com difícil acesso, com lotes demarcados na mata bruta; as famílias, após curto tempo, largavam as terras preferindo vim passar dificuldades em Rio Branco.
O seringal Nova Empresa era o conflito mais próximo do Palácio do Governo, mas o governador Geraldo Mesquita tardou admiti-lo, apesar das denúncias apresentadas pelo Contag, Igreja, alguns políticos e pelos próprios seringueiros. O problema é que o governador contava com maus conselheiros na área de segurança. O seu secretário, Coronel José Maria de Araújo, confundia posseiro com jagunço; e o diretor da Polícia Judiciária, João Bernardino de Souza, um esperto advogado paulista vivia forçando acordos de terra dentro da repartição, intimidando as famílias com a presença de policiais e representantes dos fazendeiros.
O agricultor Antônio Caetano de Souza, cearense de 53 anos e pai de 18 filhos, chefiou a emboscada e disparou o primeiro tiro em Carlos Sérgio. Ele disse que cansou de procurar as autoridades pedindo uma solução negociada. Sob sua liderança, os posseiros decidiram agir por conta própria. “Eu atirei seguro para ele não escapar, e se não faço isso ele me matava”, declarou Caetano ao delegado Hilpídio Hilário, que o manteve numa cela do primeiro distrito policial.
A matéria do Varadouro é um documento histórico completo que dá a dimensão dos conflitos, omissões e irresponsabilidade do Acre nos anos 70/80.
A edição está recheada de boas matérias. Uma delas é sobre o Manoel Cantador, um menino que veio na leva dos expulsos da terra para cantar sua tragédia na cidade. Ele cantava a história do pai, vivida no “Seringal do Santo” onde “a mercadoria leva um tempo a faltar/ a borracha mal pesada/ saldo não querem pagar”. Depois que se fixou na cidade, Manoel cresceu e viveu de certa forma, tragédia maior.
Uma matéria pelo menos curiosa é a que recebeu o título de “Procura-se um modelo (acreano)”. O Fernando Garcia, engenheiro em urbanismo que dirigia o Departamento de Extensão Universitária da Ufac (depois fez mestrado na França e, ao retornar, optou pela Universidade da Paraíba), estava preocupadíssimo com o desenvolvimento do Acre, chegando a oferecer ao Varadouro a sugestão de pauta para discutir um modelo.
O jornal publicou a pauta praticamente como foi formulada, forçando o leitor a pensar nela como se fosse um repórter/redator. Fernando reclamou da solução encontrada pela redação, que se justificou dizendo tratar-se da tentativa de jornalismo interativo com os leitores. Talvez os editores tenham abusado no despojamento e experimentação.
Na página 15, sob o título “Bana Split”, saiu uma bronca contra as mudanças no hábito alimentar dos acreanos. O redator critica a predominância do “filé paulista” nos cardápios dos restaurantes da cidade, enquanto sumiam as paçocas e as tapiocas. Parecia um exagero do jornal, mas vá lá! O exagero acontecia também do outro lado, de forma desrespeitosa e burra contra as tradições do Acre.
Um simpósio de História previsto para aquele mês (agosto/77) ia reunir conferencistas importantes como Arthur César Ferreira Reis e Márcio de Souza. O jornal aproveitou para fazer um perfil dos ilustres “simposiastas”, palavra cunhada por um desembargador eufórico. Na seqüência, são publicados textos sobre a situação do professor rural, do marreteiro e outras dificuldades provocadas pelo êxodo da floresta para a cidade e pela migração que chegava do sul.
As cartas, como podem ver, chegavam encorajadoras de toda parte do país, um fato incomum no jornalismo, principalmente do norte, onde os leitores não têm o hábito de escrever para as redações. É claro que massageava o ego da turma do Varadouro. Assim como a publicidade, pequena, mas crescente e fiel, estimulava a turma. Observem que àquela época (há 30 anos), sob tiroteio e fumaça tinha gente da área empresarial mostrando a cara para defender o sentimento da acreanidade no Varadouro. Bons tempos!

varadouro 4º

Cem anos de andanças
Por Elson Martins
Em setembro de 1977 o economista Mário Lima, acreano de Brasiléia, não tinha feito ainda mestrado em Fortaleza (CE), nem doutorado na Unicamp (em Campinas-SP), talvez por isso, todo mundo entendia sem dificuldades o que ele falava sobre economia do Acre e sobre a ameaça de substituição da borracha pela pecuária nos seringais.
A entrevista que ele deu ao Varadouro número 4, disponibilizado agora em PDF neste site, contém uma boa análise da situação do estado naqueles tempos, assim como as idéias originais que defendeu para a reativação dos seringais permanecem atuais. Algumas delas, como a criação de capivara nos sítios e colônias, quase provocaram infarto no advogado e pecuarista João Tezza à época. E hoje só não convencem aos “tecnoburocratas” de Brasília que planejam o desenvolvimento da Amazônia à distância.
A entrevista vale uma releitura da edição do Varadouro, 30 anos depois, cuja matéria de capa e assunto principal foi o centenário de Migração Nordestina para o Acre (1877 – 1977), festejado num simpósio que o Governador Geraldo Mesquita promoveu com apoio da Universidade Federal do Acre e outras instituições. Participaram do evento os ex-governadores do Estado e outras importantes figuras amazônicas, entre elas o escritor Márcio Souza e o historiador Arthur César Ferreira Reis, abordados pela turma do jornal para enriquecer a discussão sobre a “bovinização” do Acre e outras pastadas que os acreanos sofrem desde meados do século passado.
O encontro foi um sucesso, e enquanto o desembargador Jorge Araken da Silva gritava, com orgulho e orgasmo, a palavra “simposiastas” se referindo aos ilustres convidados no auditório da UFAC, no centro da cidade, o jornal saiu às ruas com sua habitual irreverência: e foi colher testemunhos do seu Raimundo e seu Euclides, descendentes dos heróis de alpagartas que trocaram a seca do nordeste pelo dilúvio da Amazônia construindo uma história incomum nestas cabeceiras de rios.
O que resultou foi mais um belo trabalho do Varadouro, disponível a partir da página 9 da edição. Felizmente, desta vez, os problemas de impressão foram postergados. O jornal bateu um recorde imprimindo duas edições na mesma gráfica, em São Paulo, e a dor de cabeça ficou por conta apenas dos truncamentos e da diagramação com matérias compridas e mal balanceadas.
Pudera! Havia um voluntário acompanhando o jornal nas oficinas paulistas, mas ele não sabia nem pra que rumo ficava o Acre. Além disso, o pacote que recebeu com as matérias e um esboço de diagramação não era nenhum exemplo de profissionalismo. Observem que os anúncios foram desenhados (?) com caneta bic e quase nenhuma criatividade: em parte por falta de tempo e de um departamento de criação, mas também pela visão de conjunto de equipe que produzia o jornal e considerava esses detalhes irrelevantes.
Mesmo assim a qualidade do jornal, como se comprovou historicamente, conseguiu transpor as dificuldades operacionais e se impor por outros atributos. O principal era que manteve uma linha editorial corajosa, honesta e, sobretudo solidária. Com quê? Com um Acre acreano, épico, ecológico, humano e socialmente justo.
Monopólios do gás, da carne, dos hortifrutigranjeiros.... Pra que o Varadouro foi mexer nisso! Após a circulação do jornal, o Abrahim Farhat saiu atrás dos editores para advertir que o empresário Wilson Barbosa, tratado na matéria publicada a partir da página 6, queria fazer nossa barba com um terçado cego. Tratado por nós como “poderoso açougueiro”, estava querendo pendurar o pessoal num de seus açougues.
É claro que o Abrahim ajudou a contornar a situação, até porque, Wilson Barbosa, de origem boliviana, tinha sangue esquerdista correndo nas veias e admirava o trabalho do Varadouro. Essa história, que pode ser narrada mais na frente, tem muito a ver com o desenvolvimento de uma imprensa de qualidade no Acre de alguns anos atrás, financiada pelo “poderoso Wilson Barbosa”.
A seção de cartas, que nunca prosperou em outros jornais, antigos ou recentes, transbordava no Varadouro, mostrando o quanto o país se sentia sufocado com o regime militar. Um nanico dos confins da Amazônia lavava a alma de um leitor de Panambi, no Rio grande do Sul, ou Hidrolândia, em Goiás, e os pedidos de assinatura (com cheques antecipados enviados pelo correio) também não paravam de chegar. No meio das cartas encontravam-se as primeiras colaborações do Macunaíma Terry Aquino, aquele que colocou a luta em defesa dos índios da região na medida certa, com conhecimento e engajamento.
E pra encerrar, mais uma irreverência do Varadouro: a matéria sobre a rede Amazônica de Televisão (pagina 5). Quem viveu aquela época sabe do que o jornal está falando. E deve ter visto, em cores, um culhão apresentado em horário nobre como furo de reportagem.

varadouro 4º

Cem anos de andanças
Por Elson Martins
Em setembro de 1977 o economista Mário Lima, acreano de Brasiléia, não tinha feito ainda mestrado em Fortaleza (CE), nem doutorado na Unicamp (em Campinas-SP), talvez por isso, todo mundo entendia sem dificuldades o que ele falava sobre economia do Acre e sobre a ameaça de substituição da borracha pela pecuária nos seringais.
A entrevista que ele deu ao Varadouro número 4, disponibilizado agora em PDF neste site, contém uma boa análise da situação do estado naqueles tempos, assim como as idéias originais que defendeu para a reativação dos seringais permanecem atuais. Algumas delas, como a criação de capivara nos sítios e colônias, quase provocaram infarto no advogado e pecuarista João Tezza à época. E hoje só não convencem aos “tecnoburocratas” de Brasília que planejam o desenvolvimento da Amazônia à distância.
A entrevista vale uma releitura da edição do Varadouro, 30 anos depois, cuja matéria de capa e assunto principal foi o centenário de Migração Nordestina para o Acre (1877 – 1977), festejado num simpósio que o Governador Geraldo Mesquita promoveu com apoio da Universidade Federal do Acre e outras instituições. Participaram do evento os ex-governadores do Estado e outras importantes figuras amazônicas, entre elas o escritor Márcio Souza e o historiador Arthur César Ferreira Reis, abordados pela turma do jornal para enriquecer a discussão sobre a “bovinização” do Acre e outras pastadas que os acreanos sofrem desde meados do século passado.
O encontro foi um sucesso, e enquanto o desembargador Jorge Araken da Silva gritava, com orgulho e orgasmo, a palavra “simposiastas” se referindo aos ilustres convidados no auditório da UFAC, no centro da cidade, o jornal saiu às ruas com sua habitual irreverência: e foi colher testemunhos do seu Raimundo e seu Euclides, descendentes dos heróis de alpagartas que trocaram a seca do nordeste pelo dilúvio da Amazônia construindo uma história incomum nestas cabeceiras de rios.
O que resultou foi mais um belo trabalho do Varadouro, disponível a partir da página 9 da edição. Felizmente, desta vez, os problemas de impressão foram postergados. O jornal bateu um recorde imprimindo duas edições na mesma gráfica, em São Paulo, e a dor de cabeça ficou por conta apenas dos truncamentos e da diagramação com matérias compridas e mal balanceadas.
Pudera! Havia um voluntário acompanhando o jornal nas oficinas paulistas, mas ele não sabia nem pra que rumo ficava o Acre. Além disso, o pacote que recebeu com as matérias e um esboço de diagramação não era nenhum exemplo de profissionalismo. Observem que os anúncios foram desenhados (?) com caneta bic e quase nenhuma criatividade: em parte por falta de tempo e de um departamento de criação, mas também pela visão de conjunto de equipe que produzia o jornal e considerava esses detalhes irrelevantes.
Mesmo assim a qualidade do jornal, como se comprovou historicamente, conseguiu transpor as dificuldades operacionais e se impor por outros atributos. O principal era que manteve uma linha editorial corajosa, honesta e, sobretudo solidária. Com quê? Com um Acre acreano, épico, ecológico, humano e socialmente justo.
Monopólios do gás, da carne, dos hortifrutigranjeiros.... Pra que o Varadouro foi mexer nisso! Após a circulação do jornal, o Abrahim Farhat saiu atrás dos editores para advertir que o empresário Wilson Barbosa, tratado na matéria publicada a partir da página 6, queria fazer nossa barba com um terçado cego. Tratado por nós como “poderoso açougueiro”, estava querendo pendurar o pessoal num de seus açougues.
É claro que o Abrahim ajudou a contornar a situação, até porque, Wilson Barbosa, de origem boliviana, tinha sangue esquerdista correndo nas veias e admirava o trabalho do Varadouro. Essa história, que pode ser narrada mais na frente, tem muito a ver com o desenvolvimento de uma imprensa de qualidade no Acre de alguns anos atrás, financiada pelo “poderoso Wilson Barbosa”.
A seção de cartas, que nunca prosperou em outros jornais, antigos ou recentes, transbordava no Varadouro, mostrando o quanto o país se sentia sufocado com o regime militar. Um nanico dos confins da Amazônia lavava a alma de um leitor de Panambi, no Rio grande do Sul, ou Hidrolândia, em Goiás, e os pedidos de assinatura (com cheques antecipados enviados pelo correio) também não paravam de chegar. No meio das cartas encontravam-se as primeiras colaborações do Macunaíma Terry Aquino, aquele que colocou a luta em defesa dos índios da região na medida certa, com conhecimento e engajamento.
E pra encerrar, mais uma irreverência do Varadouro: a matéria sobre a rede Amazônica de Televisão (pagina 5). Quem viveu aquela época sabe do que o jornal está falando. E deve ter visto, em cores, um culhão apresentado em horário nobre como furo de reportagem.

varadouro 5º

Nas folhas da seringueira
Por Elson Martins
“Não façam um jornal para o Rio e São Paulo! VIVA O ACRE!”
O apelo escrito à mão e em letras maiúsculas, consta de uma cartinha amável que o genial cartunista Henfil, irmão do sociólogo Betinho enviou ao Varadouro em novembro de 1977. Henfil tinha recebido os três primeiros números do Jornal em Lagoa Nova, no Rio Grande do Norte, onde se exilara voluntariamente. Confessando-se emocionado, escreveu:
“Povo do Varadouro! Recebi finalmente três jornais. Só achei uma coisa que muito me emocionou: não tem cheiro de Rio de Janeiro nem de São Paulo. Tem cheiro de Acre! A paginação, a leitura, tudo tem a cara do Acre! Como é que vocês conseguiram? Um apelo: aprofundem mais isto. Quero receber o número 4 impresso em folha de seringueira”.
Além da cartinha amável, Henfil desenhou a “graúna” (um dos seus mais ricos personagens) anunciando o Varadouro para os leitores do Pasquim, com endereço e tudo. Uma consagração para o jornal.
Coincidência ou não, o cartunista sintonizava as preocupações dos jovens universitários que disputavam a eleição para o DCE da Universidade Federal do Acre (Ufac) e davam à sua chapa o nome de “seringueira”. A chapa venceu provocando uma reviravolta nas discussões internas.
O Varadouro registrou na edição número 5 (disponibilizada em PDF neste site), numa longa entrevista, as idéias de Valdir Nicácio, Álvaro, Eurenice e Walterles, componentes da nova diretoria do DCE que festejaram o fato de poderem levar a palavra “seringueira” para dentro da Universidade.
Na época, é bom lembrar, a Ufac vivia submetida ao mau humor e às suspeitas dos militares de Brasília: os professores que contratava passavam antes por uma triagem no Conselho de Segurança Nacional, enquanto o reitor Áulio Gélio, vez por outra, era sabatinado por coronéis do SNI (Serviço Nacional de Informações). Embora tenha sido ele próprio um aplicado defensor do regime militar.
Mesmo assim, a instituição era citada como instrumento de transformação da realidade acreana. Até que, em 1976, apareceu um professor da Paraíba dizendo que nem tanto. Oswaldo Sevá, contratado para planejar o departamento de Extensão Universitária diagnosticou com perspicácia que o estado de espírito da universidade era outro: “É tranqüila demais para a sociedade efervescente que a cerca”, observou.
Mas a Universidade começava a viver momentos intranqüilos. Promoveu eventos como o simpósio dos cem anos da migração nordestina, discutiu a economia da borracha, solidarizou-se com a luta dos seringueiros e índios contra a ocupação das terras por fazendeiros do centro-sul.
Também acolheu a discussão ambiental reconhecendo a liderança de Chico Mendes. É uma pena que, decorrido três décadas, parece ter encolhido e aproveitado pouco das teses e conclusões a que chegou no calor dos anos 70/80.
A edição 5 do Varadouro caminhou mais que as anteriores na direção recomendada por Henfil: tem cheiro e cor do Acre. A matéria “CAETÉ - onde se vive apenas 20 anos” é um exemplo. Produzida pelo Padre Heitor Turrini durante uma desobriga, tem a dimensão de um ensaio sociológico, um libelo que celebra o homem seringueiro enquanto denuncia o seu estado de abandono. Um texto desses não envelhece e deveria ser editado por alguma ONG ou pelo próprio governo.
Faz tempo, um punhado de pessoas que trabalham a comunicação sem enfiar o rabo num cofre procura uma linguagem adequada para tratar das questões acreanas junto aos principais interessados: ou seja, seringueiros, ribeirinhos, índios e seus descendentes que vivem na periferia das cidades. Em tempos de vemos, aqui e ali, a busca da linguagem que, como Henfil, pessoas de diferentes partes do planeta identificaram no Varadouro. O texto do Padre Heitor pode ser um caminho.
No Varadouro prevaleceu a linguagem do conflito em algumas ocasiões; a linguagem da indignação em outras; e, sobretudo a linguagem do compromisso com a cidadania e a ética, o respeito às etnias, a identidade verdadeira com o homem e o meio ambiente.
A matéria “Um Índio para Presidente”, que está na página 15 do encarte, seria ilustrativa dessa busca de linguagem se não estivesse truncada (as gráficas constituíam o maior calo da equipe do Varadouro). Ela coloca a problemática do índio acreano de forma original a partir de um desfile de 7 de setembro em Cruzeiro do Sul, onde um grupo de Poyanauas foi induzido a desfilar pela coordenação local do Projeto Rondon.
Nada mais humilhante. Os Índios desfilaram para os “caras-pálidas” num calor infernal, de pés descalços no asfalto quente, e sob vaias de pessoas que secularmente os descriminaram. Pode um repórter de verdade não escrever um texto indignado diante de uma cena dessas?
A indignação foi o gancho para divulgar o relatório da antropóloga Delvair Montagner Melatti sobre a história do povo Poyanaua na região. Por volta de 1908, eles eram mais de 800, habitando a área do seringal Barão do pioneiro Coronel Mâncio Lima. Consta que o Coronel “amansou” a maioria dos índios utilizando métodos condenáveis, mas antes de morrer procurou compensa-los: os Poyanaua são os atuais donos do Seringal Barão e têm o respeito dos herdeiros de Mâncio Lima.
Mas a história será sempre implacável com o coronel que, segundo relatos colhidos da época, pensou até em oferecer um índio de presente para o Presidente da República.
Na mesma edição o Varadouro abriu espaço para os depoimentos que algumas pessoas do Acre deram à CPI da Terra, montada no Congresso. O Bispo Dom Moacyr Grechi, o engenheiro agrônomo e professor universitário (hoje doutor em economia rural) José Fernandes do Rego e o Jornalista Elson Martins (este seu criado), levaram ao congresso denúncias e análises da situação das terras no Acre. O jornalista, bem no estilo do Varadouro, envolveu até um general do Exército nas denúncias.
Durante seu depoimento o jornalista exibiu para os deputados o filme “Nós e Eles”, produzido por Augusto Sevá (irmão de Oswaldo Sevá), que ao filmar os conflitos de terra no Acre acabou levando uma carreira dos jagunços na estrada de Sena Madureira, uma perseguição de veículos que só se vê no cinema americano. O cineasta foi salvo pela poeira da estrada (no verão), mas seu trabalho resultou num forte documento revelador dos conflitos fundiários dos anos setenta no Acre.
Na opinião dos editores, o Varadouro 5 foi dos mais densos e honestos, tanto pelas matérias sobre o rio Caeté e dos índios do seringal Barão, como pela entrevista e exploração de menores numa fabricação de tijolos e outra sobre a antiga Guarda Territorial. Para completar, na última página, o jornal iniciou um debate sobre a cultura acreana sob a batuta do professor, poeta e sociólogo Clodomir Monteiro, professor da UFAC.

Varadouro 6º

Prostituição e outros problemas
made in Acre
Por Elson Martins
Aleluia! Em dezembro de 1977, após uma agoniada perambulação por algumas capitais brasileiras, a equipe do Varadouro conseguiu trazer a impressão do jornal de volta a uma gráfica de Rio Branco. O empresário e político José Abrantes, dono da gráfica “Dois Oceanos”, abriu as portas de sua oficina alimentando entre nós, durante algum tempo, a ilusão de que faríamos um grande projeto editorial.
Houve momento de euforia na redação com a notícia de que a impressão sairia quase de graça. Podíamos acompanhar a edição de perto e, com jeito, introduzir pelo menos mais uma cor na capa, o que dependia apenas do relacionamento com o chefe da oficina e seus auxiliares, o que não representava problema pois a turma do Vara era engajada, solidária e disposta a meter a mão na massa.
O português José Abrantes - quem não o conheceu? - foi sempre muito influente no Acre, até cansar de tudo no inicio dos anos noventa, vender seus bens e partir com uma mala de documentos sigilosos para viver feliz na sua Portugal.
Eu o conheço desde os anos cinqüenta (1958), quando apareceu em Rio Branco como representante de uma firma de remédios do sul do país. A lembrança dessa época é vaga, mas consigo localizá-lo nas imediações do Bar Municipal, restaurado há alguns anos na Praça Cívica. Eu cursava a primeira série do colegial (científico), no Colégio Acreano, junto com Edílson Martins (hoje jornalista, escritor e produtor de documentários para a TV no Rio de Janeiro) e o Odacir Soares (que também fez jornalismo antes de tornar-se deputado e senador por Rondônia). Nós três chegamos a produzir o jornalzinho estudantil “O Selecionado”, bastante atrevido, que se não me engano, chegou a comentar a presença do “português” na praça.
O Abrantes representou uma ameaça às nossas fantasias românticas com a coleguinha de classe Maria Rita Alencar Araripe, - bela, inteligente e rica. Leitor assíduo do poeta Fernando Pessoa – cujos versos e sabe lá quantas coisas bonitas mais sabia de cor – o português era também muito elegante e andou cortejando nossa musa, embora tenha casado depois com a irmã, Maria Amélia.
Passei 17 anos fora do Acre e ao retornar, em 1975, encontrei-o em Rio Branco com enormes poderes. Além da gráfica, possuía uma transportadora e um supermercado que somavam respeitável patrimônio. E construíra a fama de maior articulador político do PMDB. Sustentava ainda, com invejável astúcia, o perfil de um homem de esquerda comprometido com causas populares. Por isso invadimos sua gráfica com o Varadouro.
Mas, meus caros leitores, foi exatamente aí que iniciamos a verdadeira odisséia do jornal das selvas. E explico por quê: a “Dois Oceanos” era uma gráfica razoavelmente bem montada para produzir pequenos impressos, mas precaríssima para imprimir um jornal, mesmo em tamanho tablóide como o nosso.
Em 1977, os extraordinários computadores não haviam chegado ao Acre e a novidade em composição de textos era a Compose IBM, algo melhor que a máquina de escrever elétrica com a qual também não contávamos. Tivemos que recorrer às velhas linotipos para transformar as laudas datilografadas em barrinhas de chumbo, arrumá-las em colunas e então tirar as provas para colar nas páginas que formariam o jornal. Um trabalho artesanal que exigia capricho e paciência.
O passo seguinte era fotolitar as páginas, gravar em chapas de zinco pré-sensibilizadas e partir para a impressão em off-set. Com as chapas prontas para imprimir, porém, nos colocávamos diante de um obstáculo bem maior: a impressora do Abrantes só imprimia uma página por vez, o que exigiu uma ampla reunião da equipe do Varadouro com leitores e simpatizantes para responder à pergunta: “vamos encarar”?
Imaginem se sujeitos como o Abrahim Farhat, o Alberto Furtado e o antropólogo Terri Aquino, que perambulava pela cidade com metade da tribo dos Kaxinauás do Jordão iam responder “não”! A resposta foi: “mãos à obra” e a imediata convocação dos dobradores de papel.
O procedimento se estendeu por várias edições. Primeiro a gráfica cortava o papel no tamanho de uma folha do jornal aberta, correspondendo a um caderno de quatro páginas (duas de cada lado) para a tiragem de 5 mil exemplares. Ou seja, a gráfica preparava 25 mil folhas com uma folga para as falhas de impressão. Ao mesmo tempo e conforme o combinado, preparávamos nossa equipe de dobradores aliciando-a com cafezinho, guaraná ou refresco e pão com manteiga.
Na primeira dobração, encarávamos 25 mil folhas de papel em branco. Com a ajuda do Abrahim apanhávamos o material na gráfica e após dobrar folha por folha ao meio, com precisão, o devolvíamos para a impressão das duas primeiras páginas. Em seguida e ao sinal da gráfica, íamos buscar a mesma pilha de papel para desdobrar as folhas, agora com o cuidado de não mancha-las com a tinta da primeira impressão, devolvendo o material com a parte branca para fora, para a segunda rodada de impressão. O procedimento repetia-se para cada um dos 5 cadernos que completavam as 20 páginas do Varadouro com tiragem de 5 mil exemplares.
Fazendo as contas, a equipe de dobradores formada por jornalistas, moradores da periferia (das associações de bairros), universitários, boêmios e índios, passavam uma semana para dobrar e desdobrar, ao todo, 250 mil folhas, para ter a satisfação de ver o Varadouro nas ruas.
Ninguém recebia um único tostão pela trabalheira, mas todos achavam que valia a pena participar da tarefa. Não foi à toa, portanto, que o Varadouro se impôs com tanto respeito, como experiência honesta e engajada, um registro necessário e fiel de tempos heróicos do jornalismo acreano.
A primeira edição produzida nessas condições - inimagináveis nos dias de hoje - foi a de número 6. Esta é, portanto, uma edição histórica, como outras que se seguiram graças a obstinação, a coragem e o amor à terra das pessoas que participaram de sua elaboração. Para o desembargador Arquilau de Castro Melo, deve ter um significado especial. Repórter do Varadouro à época, foi ele quem fotografou (com todo respeito) a moça da capa, uma bela morena acreana nascida nos seringais e que, sem alternativa, sobrevivia nos prostíbulos do bairro do Papôco. Arquilau escreveu também o texto da matéria que fez a edição esgotar em tempo recorde.
A foto da morena com um crucifixo pendendo sobre os seios completamente nus gerou uma pequena discussão: devíamos colocar ou não uma tarja escondendo os seios? A maioria entendeu que sim, não por moralismo, - já que não existia nada de imoral na foto – mas porque a Polícia Federal andava em nosso encalço procurando um motivo qualquer para impedir a circulação do jornal. Coube a mim, na condição de arte-finalista colocar a tarja com a expressão “Prostituição – Acre”.
Outros títulos abordados na edição foram também carimbados: “Mulheres sem charme”, “Ecologia” e “À margem da vida”. O recurso criou um aspecto de cais de porto com produtos made in Acre para a exportação, formando um conjunto expressivo e denunciador. O resultado foi uma bela capa para um ótimo jornal.
(texto produzido originalmente em fevereiro de 1998, com pequena atualização)

Varadouro 7 º fez o Governador chorar

Varadouro fez o Governador chorar
Por Elson Martins
Existe em Rio Branco algum cidadão disposto a ceder de graça (ou quase), um imóvel no centro para a redação de um jornal que se disponha enfrentar os poderosos, estejam eles no poder ou fora do poder? De preferência, alguém que conheça e assuma a linha editorial do jornal, não interfira nela e só apareça na redação para perguntar se o pessoal quer um cafezinho quente, uma tapioca ou um suco de cupuaçu?
Desculpem a impertinência da pergunta! É que ao iniciar o texto de apresentação do Varadouro nº 7 que estamos disponibilizando a partir de hoje neste site, numa versão em PDF, me veio a lembrança do seu Elizeu, pai da Eurenice (atualmente professora da Universidade Federal do Acre), que em 1977 resolveu o problema de espaço para a redação do jornal. Ocupamos por mais de dois anos, pagando aluguel simbólico (mesmo assim com atraso), um prédio que ele acabara de construir na Travessa Epaminondas Martins, 141, no bairro do Bosque, mantendo com os locadores um relacionamento incomum.
Ex-guarda territorial aposentado, Elizeu vivia de uma minguada renda, que mal dava pra cobrir as despesas familiares. Entretanto, deixou de alugar o imóvel para depósito ou escritório de uma firma rica, preferindo confiá-lo a um bando de pés rapados (desculpem o exagero, mas não já chamaram os jornalistas de mendigos de gravata?). A casa do nosso amigo fica de frente para a Avenida Getulio Vargas, no topo da ladeira da maternidade, e o prédio que ocupamos, nos fundos do quintal com entrada pela Epaminondas Martins. Até hoje, 30 anos após, parece não ter havido grandes mudanças por lá.
Do tipo falastrão e presepeiro, Elizeu gostava de entrar na redação varando o quintal pelos fundos, com alguma oferenda: café quentinho com pão e manteiga, tapioca ou pamonha, com o que adquiria o direito de interromper nosso trabalho e contar prosas nem sempre apreciáveis. As guloseimas, principalmente quando o Alberto furtado demorava-se na redação conferindo os jornais vendidos em banca, acabavam num relâmpago. Pior ainda quando a visita coincidia com a dobragem do jornal que reunia respeitável contingente. Se o aluguel estava atrasado, Elizeu prolongava a conversa acrescentando alguma historinha engraçada sobre suas dificuldades financeiras. Mas não perdíamos o rebolado, convencidos de que ele apenas brincava com nosso constrangimento.
Decidi lembrar o relacionamento com o simpático locador porque se trata de mais um elemento diferenciador do jornalismo que praticávamos no fim dos anos setentas e começo dos oitentas. E fico me perguntando por que essa coisa tão bonita se perdeu! Enfrentamos, em 1998, enorme dificuldade para circular com O Acre, herdeiro do Varadouro, entre outras coisas porque não contamos com os Elizeu, os Arquilau, os Alberto Furtado, os Abrahim Farhat, os Terri Aquino e tantos outros que encararam com entusiasmo e seriedade a tarefa de produzir um bom jornal em décadas passadas.
A carência a que me refiro se estende aos repórteres, mesmo os que se lançam na condição de estagiários e deveriam aproveitar a chance de se profissionalizar. Eles trabalham sem o menor tesão as matérias jornalísticas, como se não fossem fisgados, ainda, pelo amor à profissão. Por certo, não acreditam que um jornalzinho alternativo possa contribuir para melhorar as condições de vida na sociedade da qual fazem parte. Talvez tenham razão, mas quero relatar aos jovens destes novos e confusos tempos da imprensa escrita, um fato que ilustra o que um pequeno jornal como Varadouro, quando feito com alma, verdade e coragem é capaz de provocar.
Na edição agora disponibilizada, colocamos na capa a foto de uma mulher seringueira com a filha no colo, aguardando atendimento médico num posto de saúde em Sena Madureira; e logo abaixo, o título arrasador com pincel atômico: “Nóis queria um Governador que olhasse pra nossa miséria”, frase colhida numa enquête feita pelo jornal. A foto lembrava as vitimas da fome africana, realmente chocante!
Na época (anos setentas) os governadores eram nomeados pelo Presidente da República a partir de uma lista tríplice submetida ao SNI (Serviço Nacional de Informação) em Brasília. O escolhido agia como delegado do poder central e do regime militar. O antecessor podia acompanhar a escolha e dar alguns palpites para a nomeação, geralmente beneficiando seu grupo político.
No dia em o que Varadouro n.7 circulou, em fevereiro de 1978, o Governador Geraldo Mesquita, hoje afastado da política, havia convocado a imprensa para anunciar um acontecimento importante. Os jornalistas estavam postados em volta da grande mesa do salão nobre do Palácio Rio Branco quando um assessor apareceu com um exemplar do jornal para o governador. Mesquita interrompeu sua fala, olhou bem a capa, leu em voz alta a manchete e, surpreendentemente, baixou a cabeça e chorou.
Mesquita, é preciso que se diga, não foi propriamente um governador da ditadura militar de 1964. No passado ele participou da criação do Partido Comunista Brasileiro do Acre e sua origem é de homem do interior (Feijó). Portanto ele foi um político com alma e sentimento. Mas o jornal o ajudou enxergar com clareza o conflito que se estabelecera entre seringueiros e fazendeiros do Sul, Leste e Centro-Oeste na época (75/79). Ele acabou assumindo papel histórico na defesa das tradições acreanas.
Na mesma edição o sociólogo Cesare G. Galvan, professor de pós-graduação de Economia no Recife fez apurada análise do Varadouro mostrando seus defeitos e virtudes. O professor visitou o Acre naqueles tempos turbulentos, encontrando no jornal um denso conteúdo que colocou a realidade acreana em debate. As teses de mestrado e publicações especializadas que recorreram e ainda recorrem ao jornal, como fontes de pesquisas, corroboram sua importância.
E já que iniciei esta apresentação com uma pergunta, posso terminar com outra: - o Acre que sofre hoje, como outras capitais em crescimento, uma realidade de violência, narcotráfico, fome e desemprego, acolheria a produção de um jornal parecido com o Varadouro, com repórteres, leitores, políticos, empresários, índios, associações e sindicatos preocupados em encontrar solução para a região?
(texto produzido e publicado, originalmente, em maio de 1998 no jornal o Acre

Varadouro 8 e a questão ambiental*

Varadouro e a questão ambiental*
Pedro Vicente Costa Sobrinho
Para o jornal Varadouro, a questão ambiental sempre esteve intimamente relacionada à luta pela terra no Acre. Ao definir sua linha editorial pela defesa do índio, do posseiro e do seringueiro, o jornal assumiu a luta pela reforma agrária para esses personagens, ou seja: para o Índio – a demarcação de suas reservas, garantindo-lhes o espaço adequado onde pudesse assegurar sua sobrevivência, de conformidade com os valores culturais de cada nação; para o seringueiro – uma área que regularizasse sua posse, mantendo a floresta com suas estradas de seringa e árvores castanheiras, garantindo sua existência de pequeno agricultor e, sobretudo de extrator; para o posseiro ou colono – lotes de terra de acordo com o módulo definido para a Amazônia, além dos projetos de assentamentos dirigidos de iniciativa do INCRA e do governo estadual.
A grande propriedade deveria sofrer restrições adequando o tamanho dos projetos agropastorais às condições ambientais. A defesa da floresta amazônica e dos seus recursos naturais sempre foi colocada de modo claro e indiscutível pelos que faziam o jornal, apesar de ainda não terem muita ou quase nenhuma clareza quanta às alternativas de desenvolvimento para a região, que viesse compatibilizar crescimento econômico, melhoria da qualidade de vida e preservação do meio ambiente.
Varadouro motivou, em suas páginas, a discussão sobre a necessidade de se formular esse modelo de desenvolvimento para o Acre. Várias entrevistas foram feitas com economistas, sociólogos, historiadores e outros técnicos sobre o assunto. Do conjunto de técnicos entrevistados: do diretor do INPA (Instituto de Pesquisas da Amazônia) Dr. Warwick Keer; do economista Mário Lima; do pesquisador Amílcar Japiassu e de uma mesa-redonda com técnicos de formação diversa reproduzida nas paginas do jornal.
Varadouro abriu suas páginas para a discussão, contudo, a redação só estava disposta a aceitar e difundir uma alternativa que viesse contemplar os seus atores preferenciais: o Índio, o posseiro, o seringueiro, inseridos numa realidade de convívio harmonioso com o meio ambiente.
Varadouro nº. 1, ano I, maio de 1977 (p.5), publicou matéria discutindo o assunto e assumindo posição. O jornal chamou a atenção para o fato de que o problema da devastação não foi um assunto ainda posto em discussão pelos acreanos, mas já era hora de se preocupar com alguns dados apontados pelo cientista Warwick Keer: 1974, o desmatamento foi inferior a 1%; 1975, 1,8 por cento da área de cobertura florestal, quase o dobro; 1976, 3,5 por cento. Se esse ritmo fosse mantido, em 33 anos todas as reservas florestais do Acre estariam destruídas. O jornal observou que as densas nuvens de fumaça que vinham cobrindo o Acre, nos meses de julho e agosto, indicavam algo nada auspicioso. O jornal até aquele momento, não tinha um bom olhar sobre a questão ecológica por considerar um certo diletantismo ou modismo no trato do assunto, mas a conferência do diretor do INPA, Warwick Keer, foi convincente, principalmente quando disse: “Não devemos permitir que gaúchos, paulistas e outros venham acabar com a floresta da Amazônia. Eles chegam aqui, criam o boi, mandam a carne para a Alemanha e outros paises: o dinheiro fica por lá e o homem da Amazônia fica apenas com o ‘berro do boi’”.
Varadouro fez sua leitura e observou: “Em outras palavras, o cientista condena aqueles que preconizam e defendem uma política de ocupação da Amazônia baseada apenas em projetos agropecuários, na bovinização, e em vista das exportações, sem levar em conta o desenvolvimento harmônico e em proveito da população local”. As medidas apontadas pelo cientista foram reproduzidas no jornal, que agregou: “Todas essas medidas, entretanto, serão inócuas se não houver uma reformulação na política de ocupação da Amazônia. Do contrário, o homem da Amazônia, incluindo o acreano, ficará mesmo apenas com o ‘berro do boi’”. Essa primeira matéria marcou a adesão da equipe do jornal à questão ecológica, que passou então a ser abordada como uma problemática indissociável da questão da terra no Acre.
Varadouro nº. 3, ano I, agosto de 1977 (p.19) publicou nota, na qual destacou idéias expressas pelo cientista Warwick Keer, que, com certeza, foram incorporadas pela equipa de redação: a questão do desmatamento e suas implicações na erosão dos solos Amazônicos; a ocupação por fazendas com limites de 300 hectares, por não se conhecer ainda o impacto ambiental e evitar com isso as grandes destruições.
No Varadouro nº. 4, ano I, setembro de 1977, duas matérias chamaram atenção: a entrevista com o economista Mário Lima e a resenha que foi feita pelo jornal da conferencia do historiador Arthur César Ferreira Reis. Na entrevista (p. 3-4), Mário Lima defendeu um modelo de desenvolvimento que preservasse e promovesse o adensamento da atividade extrativista da borracha, introduzisse o seringal de cultivo e a diversificação da produção agrícola. A reforma agrária foi colocada como indispensável. O jornal pinçou uma posição do entrevistado com relação à pecuária: “a pecuária não é a solução para a economia da região; ecologicamente é uma desgraça, e socialmente, um crime”.
Da conversa com Ferreira Reis (p.14), o jornal selecionou uma declaração contra a ocupação da Amazônia pela pecuária: “A pecuária é uma forma de ocupação. Mas deve ser localizada em regiões onde já existem os chamados campos naturais. Destruir a natureza só para botar o gado, isso eu acho errado. Há espaços imensos que não são florestas; (...) Esses espaços é que devem ser ocupados pela pecuária e não onde há florestas, como está acontecendo indiscriminadamente em quase toda a Amazônia”.
Varadouro nº6, ano I, dezembro de 77 (p.11-14), reservou quatro páginas dessa edição para o tema ambiental. Nesse espaço o jornal publicou a entrevista com o cientista Warwick Keer e um artigo de Clodovis Boff, no qual relata suas observações sobre o seringueiro e o seu cotidiano na floresta. Na entrevista, Dr Keer foi bastante didático, explicando de modo simples os fundamentos da ecologia. Sugeriu que fosse feito levantamento sobre o saber popular e o aproveitamento do conhecimento do Índio sobre a floresta: fauna e flora. O desenvolvimento auto-sustentável, tendo como base o potencial de recursos naturais existentes na região, foi a tese defendida. O relato de Boff procurou flagrar o seringueiro no seu dia-a-dia e revelar a rede de exploração que o cercara por toda a sua história de vida, concluindo que: “O seringueiro não precisa de ajuda, mas de justiça e principalmente de libertação”, pois ele “só é ignorante da cultura do outro, do letrado, do homem da cidade, ele sabe mais do que ninguém o que é importante saber para se virar dentro do seu universo, do seu mundo vital”.
Varadouro nº14, ano II, março de 1979 (p.5-6), publicou matéria com o titulo: “Depois da borracha, do boi... Agora, a madeira (em risco)”. O jornal noticiou sobre a proposta formulada pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), para que se façam contratos de risco para a exploração do potencial madeireiro da Amazônia. Para o Acre ficou reservada na proposta uma área de 6 milhões e 292 mil hectares. O jornal analisou e expôs os danos ecológicos e sociais que o desmatamento motivado pela exploração madeireira iria acarretar à região. Juntando isso aos danos já causados pela pecuária, nada sobraria para os acreanos mais pobres: Índios, posseiros e seringueiros. Varadouro publicou em fundo preto certas palavras de denúncia contra a iniciativa do governo: “Contratos de risco. Uma imoralidade! Sou Contra! Plano sinistro...”, e colheu vários depoimentos de operários, estudantes, intelectuais, presidente da OAB do Acre e do Bispo Dom Moacyr Grechi. Do depoimento do bispo cabe destacar alguns trechos:
Quem vive e trabalha na Amazônia acaba aprendendo, no decorrer dos anos, que é impossível defender o homem sem defender a preservação de seu meio ambiente: suas florestas, seus rios, suas riquezas minerais. A terra e o que ela contém é tudo para o homem da Amazônia, é sua própria vida, particularmente para o Índio, o seringueiro, para o posseiro, para o pequeno agricultor (...) Mais recentemente o plano foi de transformar o Acre e outros estados da Amazônia numa grande fazenda, com serias conseqüências para o homem da região (...). Agora, por último surge o sinistro plano de contratos de risco (...). Se for concretizado é o “golpe mortal” a milhares de Índios e seringueiros... Os cientistas (ecólogos, agrônomos, economistas) e representantes de várias entidades nacionais comprometidas com as causas populares, levantaram suas vozes para protestar e denunciar mais esta farsa.
Os outros depoimentos seguem o mesmo diapasão. No Acre, a denuncia repercutiu amplamente, passando a ser discutida por sindicatos, CEBs, escolas, Universidades etc.

Varadouro nº. 15, ano II, junho de 1979 (p. 17-18), publicou artigo intitulado: “Cuidado acreanos!” O jornal analisa os mapas do projeot RADAM e localiza para os leitores a chamada área 1, passível de contrato de risco. Nessa área havia concentração de madeira de lei como: cedro, peroba, aguano etc., afetando sete grupos indígenas com reservas delimitadas na área: Kaxinauá, Kulina, Kampa, Katuquina, Jaminauá e Maxineri, e os seus projetos de desenvolvimento comunitários. E também alguns milhares de seringueiros, castanheiros e posseiros que resistiram as investidas de grileiros e fazendeiros e se tornaram produtores autônomos de borracha, castanha e lavoura. Nos 6 milhões e 292 mil hectares da área 1, localizavam-se várias cabeceiras de rios importantes para o regime de águas do Acre: Vales do Iaco, Macauã, Alto Purus, Envira e Acre. A catástrofe ecológica advinda do desmatamento dessa área era mais do que evidente, só não sendo percebida pela SUDAM e seus ideólogos: Clara Pandolfo e F. Schimthusen.
O jornal publicou um documento do Movimento de Defesa do Meio Ambiente do Acre, com o titulo: “Carta aberta em defesa do Acre e da Amazônia”. O documento foi redigido após 40 dias de debates, conferências, palestras, mesas redondas e até as apresentações teatrais em escolas, centros comunitários, universidade etc., que mobilizaram alguns milhares de pessoas para o problema que era de crucial importância para a população acreana. A carta discorria sobre a crueldade contra a natureza e as populações da floresta, causada pela recente pecuarização do Acre. Dizia o documento: “Aliás, a leviandade dos especuladores e, sobretudo um principio de resistência de classes trabalhadoras, organizada em seus sindicatos, decretaram o fracasso do modelo agropecuário”. Agora era um novo milagre: “Novamente os porta-vozes do governo e dos trustes internacionais se esforçam em apontar as ‘benesses’ do novo projeto. Entretanto, quanto mais explicam, mais se complicam com a opinião pública”.
Varadouro nº16, ano II, outubro de 1979 (p.11), publicou artigo bastante especializado analisando o material produzido pelo grupo de trabalho encarregado de traçar linhas mestras para uma política florestal. O artigo incorporou ao seu texto as discussões sobre o assunto ocorridas nas reuniões anual da SBPC. Para o Acre, permaneceu a proposta de uma área de floresta nacional de rendimento, entre os municípios de Feijó e Cruzeiro do Sul. O artigo adverte que a ação dos madeireiros não ficou definida como restrita a tais áreas de floresta, podendo atuar em outras sem os incentivos fiscais. Concluiu o jornal: “O certo é que agora, depois do boi, será a vez das motosseras”.
Varadouro nº19, ano II, maio de 1980 (p.22-27), publicou o documento do Movimento de Defesa do Meio ambiente do Acre, analisando o chamado pacote florestal. O movimento criticava e denunciava as varias alterações perpetradas contra o relatório apresentado pelos grupos de trabalho, quase que desfigurando o documento inicial. O projeto a ser enviado ao congresso Nacional era uma versão dos Ministérios da Agricultura e Interior. Para o Acre, a área considerada Floresta Nacional foi reduzida para 2 milhões e 190 mil hectares, mesmo assim cobrindo um espaço onde residiam milhares de Índios, seringueiros e posseiros. O pacote florestal supostamente assegurava a continuidade das atividades dos residentes ou a indenização com a prova de legitima propriedade. Concluiu o documento: “Como se vê, o pacote Florestal do Governo é duvidoso, a não ser quanto a sua intenção de aprofundar e legitimar a depredação dos recursos naturais e a exploração dos trabalhadores da região, em beneficio exclusivo do capital estrangeiro e dos grupos a ele associados. Ainda nessa edição, foi noticiada a realização de Missa Ecológica celebrada pelo bispo Dom Moacyr Grechi, que marcou a abertura da Campanha Nacional em Defesa da Amazônia. O Movimento de Defesa do Meio Ambiente do Acre distribuiu um documento denunciando as novas políticas do governo militar para a Amazônia, afetando em particular o Acre.
Varadouro nº. 22, ano IV, junho/julho de 1981 (p. 5-6), publicou matéria chamando a atenção para o consumo exagerado de enlatados no Acre. A preocupação central do repórter foi com a divulgação do movimento naturalista, uma das variantes do movimento ecológico. No entanto, uma denuncia foi feita: o uso indiscriminado de herbicidas Tordon, produto derivado do malsinado “agente laranja”. Esse produto vinha sendo largamente utilizado para matar ervas daninhas nos campos para pasto. As conseqüências do uso desse veneno foram verificadas anos depois no próprio rebanho bovino. A introdução do naturalismo dentro da linha editorial do jornal de defesa do meio ambiente, provavelmente, foi conseqüência da mudança na equipe de redação, pois novos colaboradores foram nela integrados.
* Trecho do livro “Comunicação Alternativa e movimentos sociais na Amazônia Ocidental”, tese de doutorado de Pedro Vicente apresentada à USP, em São Paulo, e publicada pela Editora Universitária/UFPB, 2001.

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