Atividade 1
O Parecer nº 003/2004, do Conselho Nacional de Educação, fala em
políticas de reparações, de reconhecimento e valorização, e de ações
afirmativas em relação à população afrodescendente.
Qual o objetivo dessas reparações
e o que elas devem oferecer, em termos de educação, a esta população?
O parecer procura oferecer uma
resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população
afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de
políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história,
cultura, identidade. Trata, ele, de política curricular, fundada em dimensões
históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater
o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros. Nesta
perspectiva, propõe à divulgação e produção de conhecimentos, a formação de
atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu
pertencimento étnico-racial - descendentes de africanos, povos indígenas,
descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de uma
nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e
sua identidade valorizada.
A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade
tomem medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros, dos danos
psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o
regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de
branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos
com poder de governar e de influir na formulação de políticas, no pós-abolição.
Visa também a que tais medidas se concretizem em iniciativas de combate ao
racismo e a toda sorte de discriminações..
Políticas de reparações voltadas
para a educação dos negros devem oferecer garantias a essa população de
ingresso, permanência e sucesso na educação escolar, de valorização do
patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro, de aquisição das competências e
dos conhecimentos tidos como indispensáveis para continuidade nos estudos, de
condições para alcançar todos os requisitos tendo em vista a conclusão de cada
um dos níveis de ensino, bem como para atuar como cidadãos responsáveis e
participantes, além de desempenharem com qualificação uma profissão.
A demanda da comunidade
afro-brasileira por reconhecimento, valorização e afirmação de direitos,
no que diz respeito à educação, passou a ser particularmente apoiada com a
promulgação da Lei 10639/2003, que alterou a Lei 9394/1996, estabelecendo a
obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas.
Reconhecimento implica justiça e
iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como valorização da
diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a
população brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios,
lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras. Requer também que
se conheça a sua história e cultura apresentadas, explicadas, buscando-se
especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade
brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem os
mesmos patamares que os não negros, é por falta de competência ou de interesse,
desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica
cria com prejuízos para os negros.
Reconhecimento requer a adoção de
políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de valorização da
diversidade, a fim de superar a desigualdade étnico-racial presente na educação
escolar brasileira, nos diferentes níveis de ensino.
Reconhecer exige que se questionem
relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que desqualificam os negros e
salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada ou
explicitamente violentas, expressam sentimentos de superioridade em relação aos
negros, próprios de uma sociedade hierárquica e desigual.
Reconhecer é também valorizar,
divulgar e respeitar os processos históricos de resistência negros
desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes na
contemporaneidade, desde as formas individuais até as coletivas.
Reconhecer exige a valorização e
respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, sua cultura e
história. Significa buscar, compreender seus valores e lutas, ser sensível ao
sofrimento causado por tantas formas de desqualificação: apelidos
depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto sugerindo incapacidade,
ridicularizando seus traços físicos, a textura de seus cabelos, fazendo pouco
das religiões de raiz africana. Implica criar condições para que os estudantes
negros não sejam rejeitados em virtude da cor da sua pele, menosprezados em
virtude de seus antepassados terem sido explorados como escravos, não sejam
desencorajados de prosseguir estudos, de estudar questões que dizem respeito à
comunidade negra.
Reconhecer exige que os
estabelecimentos de ensino, frequentados em sua maioria por população negra,
contem com instalações e equipamentos sólidos, atualizados, com professores
competentes no domínio dos conteúdos de ensino, comprometidos com a educação de negros e brancos, no
sentido de que venham a relacionar-se com respeito, sendo capazes de corrigir
posturas, atitudes e palavras que impliquem desrespeito e discriminação.
Políticas de reparações e de
reconhecimento formarão programas de ações
afirmativas, isto é, conjuntos de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades
raciais e sociais, orientadas para oferta de tratamento diferenciado com vistas
a corrigir desvantagens e marginalização criadas e mantidas por estrutura
social excludente e discriminatória. Ações afirmativas atendem ao determinado
pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, bem como a compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil, com o objetivo de combate ao racismo e a
discriminações, tais como: a Convenção
da UNESCO de 1960, direcionada ao combate ao racismo em todas as formas de
ensino, bem como a Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Discriminações Correlatas de 2001.
Assim sendo, sistemas de ensino e
estabelecimentos de diferentes níveis converterão as demandas dos
afro-brasileiros em políticas públicas de Estado ou institucionais, ao tomarem
decisões e iniciativas com vistas a reparações, reconhecimento e valorização da
história e cultura dos afro-brasileiros, à constituição de programas de ações
afirmativas, medidas estas coerentes com um projeto de escola, de educação, de
formação de cidadãos que explicitamente se esbocem nas relações pedagógicas
cotidianas. Medidas que, convêm, sejam compartilhadas pelos sistemas de ensino,
estabelecimentos, processos de formação de professores, comunidade, professores,
alunos e seus pais.
Medidas que repudiam como prevê a
Constituição Federal em seu Art.3º, IV, o “preconceito de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e reconhecem que todos
são portadores de singularidade irredutível e que a formação escolar tem de
estar atenta para o desenvolvimento de suas personalidades (Art.208, IV).
O sucesso das políticas públicas de
Estado, institucionais e pedagógicas, visando a reparações, reconhecimento e
valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros
depende necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e
afetivas favoráveis para o ensino e para aprendizagens; em outras palavras,
todos os alunos negros e não negros, bem como seus professores, precisam
sentir-se valorizados e apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da
reeducação das relações entre negros e brancos, o que aqui estamos designando
como relações étnico-raciais. Depende, ainda, de trabalho conjunto, de articulação entre processos educativos
escolares, políticas públicas, movimentos sociais, visto que as mudanças
éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico-raciais não se
limitam à escola.
É importante salientar que tais
políticas têm como meta o direito dos negros se reconhecerem na cultura
nacional, expressarem visões de mundo próprias, manifestarem com autonomia,
individual e coletiva, seus pensamentos. É
necessário sublinhar que tais políticas têm, também, como meta o direito dos
negros, assim como de todos cidadãos brasileiros, cursarem cada um dos níveis
de ensino, em escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados por
professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos;
com formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e
discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre
diferentes grupos étnico-raciais, ou seja, entre descendentes de africanos, de
europeus, de asiáticos, e povos indígenas. Estas condições materiais das escolas
e de formação de professores são indispensáveis para uma educação de qualidade,
para todos, assim como o é o reconhecimento e valorização da história, cultura
e identidade dos descendentes de africanos.
Destina-se, o parecer, aos
administradores dos sistemas de ensino, de mantenedoras de estabelecimentos de
ensino, aos estabelecimentos de ensino, seus professores e a todos implicados
na elaboração, execução, avaliação de programas de interesse educacional, de
planos institucionais, pedagógicos e de ensino. Destina-se, também, às famílias
dos estudantes, a eles próprios e a todos os cidadãos comprometidos com a
educação dos brasileiros, para nele buscarem orientações, quando pretenderem
dialogar com os sistemas de ensino, escolas e educadores, no que diz respeito
às relações étnico-raciais, ao reconhecimento e valorização da história e
cultura dos afro-brasileiros, à diversidade da nação brasileira, ao igual
direito à educação de qualidade, isto é, não apenas direito ao estudo, mas
também à formação para a cidadania responsável pela construção de uma sociedade
justa e democrática.
Flaviana da Silva Coimbra
Conselho Nacional de Educação, fala em políticas de reparações, de reconhecimento e valorização, e de ações afirmativas em relação à população afrodescendente.
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