terça-feira, 18 de junho de 2013

O protesto de 17 de junho de 2013

O protesto de 17 de junho de 2013

Depoimentos dos historiadores e jornalistas sobre o que eles viram e o que eles registraram nesse dia que vai ser lembrado, estudado, pesquisado no futuro

Revista de História
  • Multidão sobe as escadarias do Theatro Municipal / Foto: Bernardo Santos
    Multidão sobe as escadarias do Theatro Municipal / Foto: Bernardo Santos
    Dezessete de junho de 2013. Uma data que provavelmente vai ficar para a História. Foi quando cerca de 100 mil pessoas se reuniram, segundo estimativas, e apenas no Rio, em um protesto multifacetado, que se iniciou há poucas semanas contra o aumento das passagens de ônibus municipais, mas que agora parece juntar outras reivindicações. A redação da Revista de História fica a uma quadra da Avenida Rio Branco, onde ocorreu a manifestação no Rio e muitos dos nossos historiadores e jornalistas participaram do movimento. Vamos publicar, ao longo do dia, os seus depoimentos sobre o que eles viram, o que eles registraram nesse dia que vai ser lembrado, estudado, pesquisado no futuro.
    Carolina Ferro - Historiadora
    A concentração na Candelária estava marcada para as 17 horas, mas meus amigos e eu saímos do trabalho por volta de 17:30h. Caminhamos pela rua Uruguaiana, paralela a Rio Branco por onde passaria a manifestação. No caminho, vimos inúmeros policiais municipais ajudando pessoas a encontrar o protesto e vários manifestantes preocupados em comprar máscaras para se proteger do gás lacrimogêneo. Foi bonito ver as pessoas caminhando de branco, mas foi feio vê-las carregando lenços no rosto encharcados de vinagre. Ao chegar à Avenida Presidente Vargas, nos juntamos à multidão que portava faixas contra o aumento da passagem, mas também a favor de outras melhorias para a população, principalmente na saúde e na educação. Era visível que o movimento não era por 20 centavos, mas por 20 X 20 motivos de insatisfação de uma população que vem sendo negligenciada por muitos anos pelo poder público. Ao chegar à famosa Avenida Rio Branco, muitos rostos se encheram de lágrimas. Foi belo ver que além dos muitos jovens que gritavam com todas as forças, havia idosos, cadeirantes, homens e mulheres de roupas sociais e artistas. De fato é um movimento do povo na maior amplitude da palavra. Do alto dos arranha-céus do centro financeiro, cultural e comercial da cidade, trabalhadores acompanhavam a passeata piscando suas luzes, abanando panos brancos e jogando papel picado. Voltamos mais cedo e, como bons historiadores, fomos ver as notícias. Vimos fotos de mais de 100 mil pessoas caminhando por justiça, mas também algumas com dezenas de indivíduos que se exaltaram demais em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A tristeza tomou conta da alegria. “Não queremos violência”, era o que dizia um dos gritos dos manifestantes. E com certeza não é o que quer a maioria. Queremos paz, mas queremos paz com voz, sem medo.
    Felipe Rodrigues - Estudante de história
    Ontem, 17/06/2013, foi um dia que ficou na história do Brasil. A “Revolta do Vinagre”, como está sendo chamada, levou mais de 100 mil pessoas as ruas, segundo estimativa da Coppe/UFRJ (a PM estima em 40 mil). Para mim, concluinte do curso de História da Uerj/FFp, a passeata significou uma aula na prática de como exercer a cidadania, exigindo seus direitos. Discutimos tanto nas salas fechadas das Universidades questões como “Democracia”, “Direitos”, “Estado”, “Representação Política”; conceitos tão fechados que parecem distantes do nosso cotidiano. Ontem essa distância ruiu junto com o sentimento de impotência que assolava o povo brasileiro há anos! Foi lindo ver pessoas tão diferentes em sua individualidade, mas com um sentimento único, conectadas em um só coro: O RIO ACORDOU! E não só o Rio de Janeiro, mas todo o Brasil e brasileiros, já que em várias partes do mundo houve manifestação. Pude presenciar e fazer parte de uma das maiores manifestações espontâneas que a sociedade brasileira já presenciou. Foi uma mistura de satisfação, revolta, orgulho e alegria o que passei naquelas horas entre a Av. Presidente Vargas e a Rio Branco. O que posso afirmar é que o meu sentimento e tudo aquilo que presenciei na passeata não sairá da minha mente e do meu coração. Minha vida está dividida entre o antes e o depois do dia 17/06/2013.
    Janine Justen - estudante de jornalismo
    Nada como ser mais um na multidão. Sim, de fato, uma multidão. Mais de 100 mil pessoas que gritavam por seus direitos e exigiam respostas de um governo falacioso, de interesses para lá de questionáveis. Na Avenida Rio Branco, indignação foi a palavra de ordem nesta segunda-feira. Estamos fazendo, escrevendo História. Tenho orgulho de fazer parte disso, como cidadã e jornalista. Muda, Brasil! Rumo a uma real democracia.
    Joice Santos - Historiadora
    Ir à manifestação ontem foi praticamente uma jornada. Desde cedo um clima de pavor e animação tomavam conta de mim. De pavor, pois desde cedo a mídia noticiava o número de soldados, cavalaria, paraquedistas e cachorros dispensados para o evento, além de um receio de um confronto com a polícia. Apesar desse sentimento, segui o dia marcando lugares e horários com alguns amigos que também pretendiam ir à manifestação.
    Uma hora antes do evento, surgiram, nas redes sociais, notícias de que a polícia estava revistando os manifestantes que chegavam às estações de metrô e/ou recolhendo celulares – notícias que não foram ou não podem ser confirmadas. O que aumentou ainda mais o clima de tensão. No entanto, o desejo de fazer parte da manifestação, lutar pelos nossos direitos tornou-se maior que qualquer temor e fez com quem não pensava em ir à manifestação fosse.
    O grupo, do qual fazia parte, decidiu ir pela Rua Uruguaiana já que a manifestação havia começado na Av. Rio Branco, havia muitos guardas municipais e policiais ao longo do trajeto mas não foi um impedimento para que nós e outras pessoas seguíssemos até a Avenida Presidente Vargas.
    Lá chegando, encontramos um enorme grupo de manifestantes, a maioria de jovens, cantando, gritando palavras de ordem, articulando formas de dispersão e encontro caso houvesse algum embate, levantando seus cartazes com diversas demandas. Não tinha como não se emocionar com os que acreditam que é possível lutar por direitos saindo às ruas e, com isso, provocar mudanças. E eu ainda nem havia chegado na av. Rio Branco.
    Quando enfim conseguimos entrar na avenida principal, foi impactante ver aquela multidão cantando, pessoas no prédio piscando as luzes à medida que passávamos e gritávamos: “Quem apoia piscaa luz, quem apoia piscaluz”. Mais impactante foi percorrer praticamente toda a Rio Branco sem ter visto uma discussão e nem um princípio de briga.
    Num dado momento, escutamos um carro de som, se não me engano da UNE, e todo mundo abriu passagem quando o homem que estava no caminhou falou ao microfone: “Já somos 50 mil, galera!”. Os manifestantes foram à loucura. Foi emocionante! Não só por estar na passeata, mas por terem 50 mil pessoas acreditando na mobilização.
    Não fiquei até o final da manifestação. Só quando estava indo pra casa soube que a manifestação havia levado 100 mil pessoas às ruas e que um grupo bem menor havia iniciado atos de vandalismo na Alerj e no Paço Imperial. Discordo de atos que depredam os espaços públicos, seja dos eventos que aconteceram ontem quanto os que acontecem diariamente como o sucateamento do ensino e da saúde.
    Ao fim da manifestação, fiquei com a sensação de que é possível uma mobilização da população para lutar por suas reivindicações. Com os eventos de ontem, também fiquei com uma questão: onde queremos chegar? Ou, qual é ou quais são nossos principais objetivos?
    Mais cedo um amigo postou um trecho de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll,que talvez nos ajude a pensar sobre isso:
    “Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
    Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato.
    Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice.
    Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas - replicou o gato.”
    Agora que todos foram mobilizados, acho que é chegada a hora de definir exatamente pra onde queremos ir, só assim podemos estabelecer o melhor percurso.
    Roberta Souza - Historiadora
    Dessa vez é diferente. Os cidadãos não "assistiram alheios a tudo". Não é fato que estamos saindo do trabalho, dando menos atenção aos nossos filhos por 20 centavos. Estamos lutando pra fazer prevalecer o está estabelecido na Constituição. Que a manifestação das ruas seja refletida nas urnas.
    Ronaldo Pelli – Jornalista
    Foi uma festa. E como toda festa, há com os com-noção e os sem-noção, sendo “noção” aqui entendida em vários sentidos. Seja o de ter alguma ideia do que estava acontecendo, seja o de perder o respeito pelos outros.  E como toda festa também, havia animação. A Orquestra Voadora estava presente. Havia gritos de carnaval. Gritos do futebol. Será que precisamos mesmo aprender a protestar? Por que todo protesto deve ter raiva mesmo? Havia muito humor também nos cartazes: “R$ 2,95? Só com open bar”, dizia um, em referência o novo preço da passagem dos ônibus do Rio. “Ei polícia / vinagre é uma delícia”, gritavam outros.
    “O gigante acordou” era um dos “slogans” mais pronunciados. “Slogans”, não gritos de guerra, não gritos de ordem. “Fora... (acrescente o nome de um político no cargo executivo)” era outro. Nenhuma esfera do governo foi perdoada.
    Fiquei parado durante um tempo na Avenida Rio Branco, perto da Avenida Sete de Setembro, a rua que leva à redação da Revista de História. Algo como uma hora. Parado, vendo o movimento de uma multidão que descia a antiga Avenida Central em direção à Cinelândia. Eram vários blocos compactos de manifestantes. Os primeiros, os que iam à frente de todos, talvez não fossem quem mais representava a maioria. Porque empunhavam flâmulas partidárias, que foram rechaçadas pelo restante do grupo aos gritos de “abaixa a bandeira / abaixa a bandeira”. Os protestos parecem deixar uma informação clara: a política partidária, como nós a conhecemos agora, “não me representa”, para usar uma expressão atual.
    Em outro “bloco”, um minicarro de som. A moça no microfone, provavelmente uma paulista, pede para todo mundo abaixar, e depois, mundo se levanta num catarse coletiva. Era uma festa, uma festa com gente não convidada.
    Ao meu lado, estavam três catadores de papel, atividade que é forte na região. Era a hora de eles trabalharem. Estavam lá, assistindo a tudo, ao meu lado, entre o entediado e o bocejante. Em certo momento, passa um sujeito com um cartaz cheio de informações e para em frente a eles, como que quisesse mostrar algo. Só sai quando um dos catadores acena com a cabeça, como se dissesse, já entendi, agora você me dá licença?
    Ao sair da manifestação, me lembrei de Machado de Assis, e de suas “Memórias póstumas de Brás Cubas”. Logo no início do livro, na sua dedicatória ao leitor, o defunto autor fala que escreveu suas memórias com “a pena da galhofa e a tinta da melancolia”. Talvez, nessa frase, Machado tenha identificado o caráter do povo brasileiro, de uma maneira que quase ninguém mais percebeu. Na manifestação, essa nossa “galhofa” aparecia em cada um dos momentos festivos, cada uma das piadas, das músicas, das gracinhas. Já a melancolia foi o que nos levou às ruas. Após uma década acumulando essa bile amarga, a gota de uma moeda imaginária de 20 centavos, transbordou o pote. Agora, a melancolia se travestiu de manifestações bem menos passivas. Uma melancolia que às vezes pode ser até raivosa.

Nenhum comentário:

Páginas