Onda de protestos contra aumento das passagens de ônibus em São Paulo provoca reação exagerada da polícia e declarações polêmicas por parte dos governantes
Gabriela Nogueira Cunha
“Se a passagem não baixar, a cidade vai parar.” E parou. Não uma, mas várias vezes. Na última semana, uma série de protestos levou milhares de pessoas às ruas de São Paulo contra o reajuste de R$ 0,20 na tarifa cobrada pela passagem de ônibus. O aumento gerou uma onda de insatisfação tão grande que foi capaz de tirar até mesmo a tal geração Y da frente de seus computadores. Encabeçados pelo Movimento Passe Livre, os manifestantes deram nó no trânsito ao fecharem as principais avenidas da cidade. O fato foi encarado pelas autoridades como crime contra a ordem pública e a resposta dos governantes veio por meio de um truculento aparato de “segurança”, expandindo o movimento para além dos próprios limites.
O reajuste das passagens na capital paulista foi anunciado pelo prefeito Fernando Haddad (PT) em maio deste ano e entrou em vigor no último dia 2 de junho, num domingo. Na quinta-feira da mesma semana, a população já tomava conta das ruas e uma faixa, entre tantas outras, com os dizeres “vamos repetir Porto Alegre” deixava claro: a onda de protestos iniciada na capital gaúcha tomaria conta do Brasil. Porto Alegre foi o primeiro caso em que as manifestações conseguiram barrar o reajuste da tarifa, reduzindo o valor da passagem de R$ 3,05 para R$ 2,85 e mostrando que lutas populares, ao contrário do que pensa o senso comum, têm lá sua força.
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Na última terça-feira (11), em Paris, o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que a interrupção do trânsito durante um protesto é “ato de vandalismo” e, portanto, deve ser tratado como "caso de polícia". E como caso de polícia ele vem sendo tratado. Só nesta quinta-feira (13), a polícia deteve ao menos 235 pessoas durante o quarto dia de manifestações, que reuniu cerca de 5.000 manifestantes. Entre os presos estavam um repórter da Carta Capital e outras 40 pessoas, levados para a 78º DP, nos Jardins, por porte de vinagre (que, em tese, ameniza os efeitos do gás lacrimogênio). Quatro jovens seguem presos, sem direito a pagamento de fiança. O motivo? Formação de quadrilha. Aos afiançáveis, a bagatela é de R$ 20 mil.
Em entrevista no Palácio dos Bandeirantes realizada nesta sexta-feira (14), Alckmin disse que a corporação tem o dever de "proteger a população, garantir o direito de o comércio abrir e preservar o patrimônio público". Além disso, o governador afirmou que os batalhões de choque da Polícia Militar agem desta forma no intuito de evitar manifestações mais violentas.
Não é de hoje que “questão social é caso de polícia”. A célebre expressão foi atribuída ao ex-presidente brasileiro Washington Luís e resumiu sua postura frente às revoltas populares que incomodavam o governo, entre 1926 e 1930. Aparentemente, 80 anos se passaram e a ação truculenta do Estado diante de mobilizações sociais permanece. Para o historiador Paulo Terra, a conivência da grande imprensa com o discurso marginalizante acompanha este processo.
“Ambas as formas de criminalização, por parte do Estado e por parte da imprensa, não são novidade na história do país. Desde o primeiro movimento contra o aumento do valor das passagens, ainda no século XIX, é possível observar a forte repressão policial e a cobertura, muitas vezes, detratora nas folhas dos jornais”, diz ele referindo-se à chamada Revolta do Vintém, de 1879.
Em ação semelhante a das autoridades paulistas, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB) tentou deslegitimar as manifestações ao afirmar, nesta quinta-feira, que os protestos têm um “ar político” e “não espontâneo”. Segundo ele, os “baderneiros” não estavam ali para defender interesses públicos, mas para gerar um clima de confusão.
A postura de Alckmin e Cabral – assim como do prefeito Haddad que negou qualquer redução nas tarifas - conta, ainda, com o apoio do Governo Federal. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), também andou tecendo críticas às manifestações e pediu à Polícia Federal o acompanhamento dos protestos. “O governo federal está à disposição do governo de São Paulo e de qualquer outro estado em que isso aconteça para apoiar naquilo que for solicitado”, disse.
Para o historiador Rafael Lima, da PUC-Rio, não há justificativa plausível para a truculência do poder público que – independente da filiação partidária – acusa os manifestantes de vandalismo e formação de quadrilha. “É deplorável que a maioria dos meios de comunicação subestime nossa inteligência e acusem as mobilizações de constituírem veículo de interesse político-partidário”, argumenta.
E conclui: “As mobilizações ganham as ruas porque é nelas que a população se sente mais ultrajada, mais usurpada em sua cidadania, mais desrespeitada enquanto coletividade. Na rua está a alma da cidade, para usar a feliz expressão de João do Rio. E se causam transtornos, paciência. Significa que, felizmente, a cidade ainda dá sinais de vida em meio a tanta especulação e espetacularização.”
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