A segurança pública nos 50 anos de Estado do Acre
Nos primeiros anos de Território Federal, as instituições não estavam definidas. Em 1912 foi criada a Companhia Regional, depois a Polícia Militar do Território do Acre, em seguida a Força Policial, posteriormente a Guarda Territorial, e só em 1963 foi criada a Polícia Militar do Estado do Acre. “Durante o período de Território Federal, só para se ter uma ideia, quando alguém era preso o pedido de habeas-corpus era encaminhado para Manaus (AM) de navio, o que podia demorar meses”, destacou.
A configuração cultural dos seringais também contribuiu de forma decisiva para a história referente à segurança. Os homens eram maioria, o que fazia com que se casassem com meninas ainda menores de idade. O uso de bebida alcoólica também era constante, e pode ser somada a esse cenário a cultura do uso de facas durante as brigas entre seringueiros. “Alguns traços culturais agravavam o cenário de segurança pública que era deficiente, e não contava com a ajuda do governo federal.”
As pessoas presas durante a Revolta da Chibata e o número excedente de presos nas cadeias eram mandados para o Acre. Nasce então a expressão “ir para o Acre”, que virou sinônimo de morrer.
Na década de 1970 se inicia a crise social a partir do novo modelo econômico sugerido em substituição ao extrativismo da borracha: a pecuária - o embate entre os pecuaristas e o povo da floresta. As pessoas que moravam na floresta foram obrigadas a deixar sua vida e procurar novas opções nas cidades, o que provocou o surgimento de vários bairros de forma desordenada.
Em um dos conflitos durante o processo de demarcação e distribuição de lotes de terras, o monitor da Igreja Católica e líder comunitário João Eduardo do Nascimento foi assassinato. João Eduardo foi escolhido pelo governador Joaquim Falcão Macedo para ser presidente da comissão demarcadora de lotes, que tinha como finalidade organizar a distribuição dos terrenos. João Eduardo, padre Pacífico, Francisca Marinheiro, Nilson Mourão, bispo dom Moacyr e padre Asfury, entre outros, foram pessoas que sempre clamaram em defesa do direito à moradia e melhores condições de vida da população mais carente.
Na década de 1980 a crise social se agravou, e foram registrados atos intensos de violência, como a morte de Wilson Pinheiro e de Chico Mendes. Nessa década a maioria da população carcerária era de tráfico e consumo de drogas. Omar Sabino, então secretário de Interior e Justiça, creditou o aumento da criminalidade em Rio Branco a vários fatores, principalmente os de ordem social, econômica, êxodo rural, baixa renda per capita, desemprego, desajuste familiar, precária assistência do menor abandonado, subcondição de habitação, subemprego, fluxo migratório, pobreza, tóxico, falta de patronato e de instituto de reeducação e falta de religião.
Na ausência do Estado, surge o crime organizado
“Na década de 1990, o crime tomou conta das instituições. Foi um período crítico da história do Acre, na qual o Estado, como instituição, não existia. Nesse período, muita gente, com medo, foi embora daqui. Parecia que o Estado não tinha futuro. Havia governantes que não gostavam de governar. Os cidadãos estavam desamparados. E o crime organizado tomou conta.” A descrição é do desembargador Arquilau de Castro Melo.
Melo, que já atuou como advogado do Movimento Sindical, destaca que o Acre vive de ciclos, e que a história da segurança pública está intimamente ligada às atividades econômicas que eram desenvolvidas no Acre - inicialmente a exploração da borracha e depois a substituição pela pecuária. “São atividades incompatíveis, e a partir dos embates, os seringueiros começam a ser expulsos, ocasionando o inchaço das cidades. O poder público não estava preparado.” Arquilau continua dizendo que o inchaço das cidades tem como consequência a geração de violência, somado ao tráfico de drogas presente.
O crime organizado nasce da falta de políticas públicas nas mais diversas áreas, da ausência de instituições fortes. “Vivemos uma época de desgoverno - sem dinheiro para pagar o funcionalismo público e o despreparo dos governantes até um limite total de abandono. Uma das pessoas que encarou o crime organizado, que ‘governava o Estado’ em alguns momentos, era o presidente do Tribunal de Justiça, na época, Gercino Silva.”
Segundo ele, um fator decisivo para a mudança da situação foi a definição de uma política de Estado, na qual se tinha um objetivo que era o de valorização da floresta, conhecido como Florestania, a partir de 1999. “O governo começou a buscar um rumo. Todo o esforço foi importante, e conseguimos vencer o crime organizado, na forma de cartel. Mas ainda temos um grande desafio pela frente: a questão do tráfico de drogas. O crime organizado foi também fruto disso, e ainda estamos expostos a esse problema, que é também nacional”, concluiu.
Esquadrão da morte
Desde 1986, um grupo de policiais começou a agir de forma violenta, matando de forma cruel pessoas que contrapusessem os interesses do chamado Esquadrão da Morte. Esse grupo aterrorizou o Acre nas décadas de 1980 e 1990, quando mais de 60 pessoas foram mortas, algumas barbaramente assassinadas, com olhos e línguas arrancados e membros decepados por motosserra.
"A política velha conviveu nos últimos anos, de forma pacífica, com grupos de extermínio e com o narcotráfico a um ponto que os próprios políticos tradicionais estavam virando reféns daquilo que eles deixaram que fosse criado à sua volta. Estou convencido de que nem mesmo o presidente da República tem força para desmontar o crime organizado. Quem tem força é somente uma grande mobilização de instituições e de todo o povo. Aqui no Acre, não foi a ação isolada do nosso governo que desmontou o crime organizado. Foi uma ação conjunta de várias instituições, que envolveu o Ministério da Justiça, os Ministérios Públicos Federal e Estadual, as Justiças Federal e local, a Polícia Federal, a polícia local, a imprensa nacional e local e o grande apoio popular. A presença da CPI do Congresso foi decisiva." A análise é do ex-governador Jorge Viana.
Vidas dedicadas à Polícia Civil
Trabalhando há 30 anos como delegada da Polícia Civil, Áurea Letícia Ribeiro Dene conta que no início de sua carreira no Acre, em 1981, atuava na Delegacia do Menor em Cruzeiro do Sul. “Não tínhamos uma delegacia; na verdade, era uma sala. Faltava estrutura. Quando precisávamos de carro para as rondas, pedíamos emprestado. Também me lembro de que certa vez os presos se rebelaram por falta de comida, e tivemos que pedir ajuda aos empresários para conseguir alimento.”
Em 1995 ela voltou para Rio Branco para trabalhar na Delegacia da Mulher. Hoje a delegada mostra com orgulho as instalações da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam). São salas climatizadas, ambiente específico para vítimas e brinquedoteca. Além disso, ela fala da estrutura de trabalho - são mais servidores, veículos. “Tenho muito orgulho de trabalhar nesta área. A Lei Maria da Penha trouxe uma punição mais rigorosa. Conseguimos dar resposta às pessoas que nos procuram”, disse.
A Deam foi totalmente reformada e reestruturada em 2010. Nesse momento, o governo adota um novo conceito de atendimento à mulher. A delegacia está estruturada para prestar um atendimento mais humano às vítimas e mais rigoroso ao agressor. Outra pessoa que dedicou parte de sua vida à Delegacia da Mulher foi a delegada Celle Chaul. Depois de aprovada em concurso público, Celle atuou nas Delegacias do Menor e da Mulher. Ela foi a primeira mulher a assumir a função de delegada das regiões Norte e Nordeste.
“As dificuldades eram muitas. Atualmente temos internet, mais equipamentos. São ferramentas que ajudam a melhorar a atuação do sistema de segurança. Na minha época me dedicava a ouvir os lados envolvidos, e era bastante elogiada por isso”, disse.
Orgulhoso por já ter sido agente policial, delegado de polícia e secretário de Estado, José Chaul faz parte da "velha guarda" da Segurança Pública no Estado. “Mesmo não tendo formação acadêmica, conseguíamos experiência no dia-a-dia. Havia muito esforço e boa vontade para ser polícia naquela época. Somos pioneiros. Truculência e coragem faziam um policial. O Jorge Viana transformou a polícia em uma polícia mais forte, mais equipada”, afirma.
Sistema penal
Em substituição à Colônia Penal Agrícola Evaristo de Morais, inaugurada em 1949, em 1983, durante a administração de Joaquim Macedo, o último governador nomeado pelo regime militar, foi inaugurado o Estabelecimento Polivalente Francisco D’Oliveira Conde. O presídio só começou a funcionar na administração de Nabor Júnior. No dia 31 de julho de 1983, os 65 presos da colônia foram transferidos para o presídio. Nos anos 1990 passa a ser chamada de Unidade de Recuperação Social Francisco de Oliveira Conde. Entre 1987 e 1990, época na qual o advogado José Eugênio Leão Braga era secretário do Interior e Justiça do Acre, foram registradas algumas obras de melhoria e ampliação na penitenciária. Houve investimento na ampliação dos pavilhões e na construção de muros mais seguros para substituir as cercas de arames. Foi nesse período em que os primeiros pavilhões de segurança máxima foram construídos.
Até 1999 a segurança interna nos presídios era feita pela Polícia Militar. Foi quando um novo modelo começou a ser implementado. Em janeiro daquele ano, 358 reeducandos dividiam cinco pavilhões. Já em janeiro do ano seguinte o número saltou para 580 presos, distribuídos em nove pavilhões. Os presos provisórios conviviam com os sentenciados no mesmo pavilhão e começaram a ser separados. Entre janeiro e abril de 1999 foram registradas cinco rebeliões. Após a última rebelião o governo decidiu mudar não apenas a estrutura física, mas a forma de tratar detentos, policiais e demais funcionários do sistema. Uma das medidas principais foi a de substituir praticamente todo o efetivo policial, retirando de seus quadros aqueles considerados prejudiciais ao bom andamento dos trabalhos desenvolvidos.
Em 2003 o Sistema Penitenciário foi transformado em autarquia, passando a denominar-se Departamento de Administração Penitenciária. Em 2007 a administração dos presídios passa a ser do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), com autonomia financeira, administrativa e patrimonial e a missão de executar as diretrizes da política prisional.
Fortalecimento das instituições
Em 1999 as polícias estavam em situação de calamidade - sem armamento, infraestrutura e qualquer condição de prestar um bom serviço à comunidade. Os anos seguintes foram de reestruturação e de início de investimentos para mudar a realidade. A maior transformação da Polícia Militar nesses anos foi a aproximação com a comunidade através dos programas de política comunitária, como o Cinema na Escola, A Escola Faz Direito, Um Passe Para a Cidadania e o Programa de Erradicação das Drogas (Proerd), que atende mais de 100 mil alunos nas redes de ensino pública e privada do Acre.
Nos últimos anos a gestão pública voltou seus olhos para a segurança e evoluiu no sentido de reaparelhar, capacitar, estruturar e valorizar os profissionais. Hoje todos os policiais possuem coletes balísticos, as armas são de primeira linha e os batalhões contam com viaturas novas, entre helicóptero, carros, motos, quadriciclos e bicicletas, que permitem um patrulhamento ostensivo de qualidade, além do Centro Integrado de Ensino e Pesquisa em Segurança Pública (Cieps), que forma e capacita profissionais de segurança pública na melhor estrutura para melhorar a prestação de serviço.
Anos atrás, essa realidade era muito diferente, como lembra o sargento Irandir, com 20 anos de serviço. “A PM possuía dois veículos para atender toda a população da capital. A atividade policial era desgastante ao extremo, tanto física como psicologicamente. Quase não tínhamos equipamentos, não confiávamos em nosso armamento e ainda havia uma grande discriminação entre oficiais e praças”, recorda.
Na gestão do governador Binho Marques, o Acre foi dividido por regionais, o que possibilitou a responsabilização de equipes por determinadas localidades. Assim um delegado da Polícia Civil e um comandante da Polícia Militar ficaram responsáveis pelo monitoramento e acompanhamento dos índices de criminalidade e por dar as respostas às necessidades de cada regional. Rio Branco também foi dividida em cinco regionais, com o mesmo propósito. Nesse modelo adotado pela Secretaria de Segurança, a comunidade é convocada para fazer parte do processo de elaboração das políticas públicas.
“Crescer na Polícia Militar foi uma honra para mim. Hoje olho para trás e vejo o quanto a instituição se desenvolveu em todos os aspectos. Comandar essa corporação, que representa tanto em minha vida, é mais que um orgulho”, salienta o atual comandante José Anastácio.
Outro aspecto importante foi a realização de concurso para a contratação de novos profissionais para a área de segurança. Somente na Polícia Militar foram formados 600 homens para atuar no policiamento em todo o Estado. Também foram inseridos ao quadro efetivo do governo do Estado agentes de polícia, delegados e escrivães.
A valorização profissional também pode ser comprovada pela remuneração dos militares. Em 1999 o salário era de R$ 600 e em 2012, de R$ 2.180 (nível médio) e R$ 2.250 (nível superior). A PM conta ainda com um banco de horas, que é utilizado como horas extras, permitindo que em muitos casos um policial com o salário inicial chegue a R$ 2.500.
“É sempre bom lembrar que desde 1999 o governo vem investindo na formação dos servidores da segurança, com a implantação do Centro Integrado de Ensino e Pesquisa Francisco Mangabeira. Quando Jorge Viana assumiu o governo, a Assembleia Legislativa tinha mais armas que as polícias. Rio Branco contava com seis viaturas para fazer todo o patrulhamento. Hoje são mais de 60 fazendo a ronda nos bairros”, destacou o secretário adjunto da Secretaria de Segurança, Ermício Sena.
Sandoval Souza de Oliveira, 88, entrou para a Guarda Territorial em 1941 e depois foi incorporado à Polícia Militar do Estado do Acre. Ele recebeu nossa equipe de reportagem se apresentando como segundo-sargento da Polícia Militar e da Guarda Territorial. O orgulho também se fez presente quando ele nos mostrou recortes de jornais, medalhas e fotos antigas. “Também fui delegado, fiquei à disposição durante a Guerra [Segunda Guerra Mundial]. Já ajudei meu pai, que era doceiro. Lembro-me da época em que íamos buscar as pessoas para prender a cavalo”, disse o policial aposentado. Conhecido como Maestro Sandoval, por ter comandado a Banda da PM por anos, ele se orgulha por não ter ganhado nenhum inimigo durante os anos de trabalho. “A missão é espinhosa, mas depois de 40 anos trabalhando na polícia não tenho nenhum inimigo”, reflete.
Desde o fim de 2008, quando a Polícia Civil ganhou autonomia administrativa e financeira, a instituição vem passando por mudanças positivas. De acordo com o secretário de Polícia Civil, Emylson Farias, essa foi uma marca na história da PC, que tem colocado em prática o plano de modernização. Os resultados já podem ser verificados. Uma pesquisa realizada pela Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), em 2010, revelou que o Acre tem 86% dos crimes elucidados, o maior índice de resolutividade de casos do país.
Entre as transformações apontadas pelo delegado-geral estão os investimentos para a melhoria da infraestrutura física das delegacias e da própria secretaria de Polícia Civil. “Não se trata apenas de entregar prédios reformados; adotamos um novo conceito dentro das delegacias. Temos padrões de fluxo e de atendimento. Pregamos o conceito de respeito das vítimas e testemunhas”, disse.
Farias conta ainda que a Polícia Civil já passou por momentos de enfraquecimento da instituição devido à falta de estrutura. “Por um longo período, o grande diferencial na Polícia Civil eram o comprometimento e a boa vontade dos servidores. Tínhamos muita dificuldade: faltavam viaturas e combustível. Íamos buscar corpos em redes, faltavam equipamentos para perícia. A autonomia permitiu que a polícia desse respostas mais rápidas e efetiva à sociedade”, declarou.
Na relação de avanços, ainda podem ser incluídos os investimentos na área de inteligência e perícia - o estabelecimento da doutrina operacional e de padrões mínimos para atuação, como, por exemplo, a definição da quantidade de viaturas e de servidores em cada município ou a definição dos planos e metas. “As conquistas são inúmeras, mas o resgate da autoestima e do orgulho de ser da Polícia Civil é o mais importante. E conseguimos isso com investimentos na área de qualificação profissional, melhoria da infraestrutura e de condições de trabalho na gestão, e tudo isso reflete nos resultados alcançados pela corporação”, encerrou.
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